Vitimologia: a violência nas relações íntimas

Por Ceres Canali

Este texto, por tão complexo o tema, será dividido em duas partes. Nesse primeiro momento, cabe elucidar que a violência nas relações íntimas assume um lugar de destaque nos meios acadêmicos, políticos, judiciários, literários e midiáticos; é um interesse de múltiplos públicos. Ao mesmo tempo que nossa sociedade se horroriza e se escandaliza, quem sabe também se deleita com estes espetáculos.

Pelo apelo público, pela transversalidade do tema e pelos custos individuais e sociais que lhe estão associados, a violência nas relações íntimas deveria constituir uma preocupação central da política nacional. Para ficarem claros e delimitados os termos, não falamos de todas as violências, pois elas se multiplicam em significados: temos a violência doméstica, a violência contra a mulher, a violência conjugal, a violência nas relações íntimas e o feminicídio. Errônea e corriqueiramente, utilizam-se destes conceitos como sinônimos. No entanto, evidenciaremos aqui a violência conjugal ou violência nas relações íntimas, englobando tanto a conjugalidade quanto os relacionamentos fortuitos.

Esta é, portanto, “uma coação entre parceiros, caracterizada por uma desordem do poder e controle, expressa em comportamentos violentos, sob as áreas física, econômica, psicológica e sexual” (MASTRANGELO, 2019. p. 113-119). Como consequência desta, percebe-se a violência indireta nas crianças que são testemunhas da violência parental, e este é o segredo mais bem guardado da instituição matrimônio.

Pode-se procurar explicações da violência nas histórias pessoais, nas relações de gênero ou nos fatores de ordem cultural, estrutural e ideológica, mas somente saberemos dela quando irromper ou se transbordar para a violência física e sexual. Até então, a insidiosa, lenta e permanente violência financeira e psicológica continuam numa área escura, sem respaldo da sociedade.

Ao longo do tempo de uma relação de intimidade, a conduta violenta pode se instalar em termos de frequência e severidade, havendo um comportamento continuado entre a agressão verbal e agressão física até a morte. Mesmo que não atinja as agressões físicas, as agressões verbais deixam sequelas psicológicas muito graves, como a sensação de perda, insegurança, quadros depressivos, ansiosos ou de estresse pós-traumático.

Com o intuito de desobscurecer os imbricados atos de agressão e violência sucedida no núcleo de um relacionamento íntimo, estudam-se os componentes da violência psicológica, segundo Hyrigoyen (2006), os quais são: controle, isolamento, ciúme patológico, assédio, aviltamento, humilhações, atos de intimidação, indiferença às demandas e ameaças. A seguir, algumas destas:

O controle se situa primeiramente no registro da posse: é vigiar alguém de maneira maldosa com a ideia de dominá-lo e dirigi-lo, querer controlar tudo para impor a maneira pela qual as coisas devem ser feitas, fazer um controle dos gastos e das despesas, das horas de sono, das refeições, das relações sociais e dos pensamentos. Para a violência perdurar é preciso isolar progressivamente a mulher de sua família, de seus amigos, impedi-la de trabalhar, de ter uma vida social. Há um controle social, controle do telefone, controle do computador. Aparecem insinuações e mentiras para jogar a vítima contra os que lhe são próximos. Isolando sua mulher, o homem faz com que sua vida fique voltada unicamente para si. Ele precisa que ela se ocupe dele, que só pense nele. Age de modo que ela não seja demasiado independente, para não escapar a seu controle. As mulheres dizem muitas vezes que se sentem prisioneiras.

O controle pode traduzir-se em um comportamento ciumento patológico, com suspeição permanente, atribuição de intenções infundadas, etc. Nessas circunstâncias, não é incomum ouvir frases como ‘ele vigia meus telefonemas, minhas relações com minha família e amigos, e como uso meu tempo, pois quer ter certeza de que não tenho amante’.

Nos próximos artigos, traremos explicações mais aprofundadas sobre como se dá a violência nas relações íntimas.

 

REFERÊNCIAS:

HIRIGOYEN, M. F. A violência no casal: da coação psicológica à agressão física. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, v. 96, 2006.

MASTRANGELO, M. Cosa scatta nella mente del partner violento. Torino. In: Criminologia clínica e psicopatologia dei reati passionali. Torino: Einaudi, 2019. p. 113-119.

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