Por Michele Beckert
Uma célebre estudiosa de traumas, Francine Shapiro, que foi uma das pioneiras nesses estudos, percebeu ao longo dos anos de estudo que memórias traumáticas também ocorrem nas demais patologias (SHAPIRO, 2020). Essas descobertas têm muito significado a partir das novas descobertas que as neurociências têm apresentado. Luto, separação, desastre, bullying, cirurgias e sequestro podem, sim, resultar em sintomas de estresse pós-traumático. Porém, muitas pessoas não passaram por esses eventos e mesmo assim têm traumas. Por exemplo, crianças negligenciadas em seus cuidados afetivos ou tiveram pais muito severos, ou mesmo superprotetores demais. Tais questões podem levá-las a terem problemas de apego, ansiedade e insegurança. Ainda, se a pessoa entende que não passou por trauma, ainda assim, o corpo pode guardar as marcas disso.
Atualmente, os estudos avançados que tratam das patologias (incluindo físicas e psiquiátricas) já consideram haver uma série de mudanças fisiológicas apresentadas pelas pessoas quando estão doentes. Chamamos isso de inflamação, ou seja, há uma série de alterações no funcionamento do corpo, e com o transtorno mental não é diferente.
Quando passamos por uma situação potencialmente traumática, desregula-se inicialmente o eixo HPA, ou hipófise-pituitário-adrenal, responsável por manter a capacidade do organismo de responder a episódios de estresse agudo e prolongado. Esta é uma resposta mediada pela adrenalina para nos prepararmos para lidar com uma situação de estresse, acionando os músculos e todo o corpo para lidar com isso. Contudo, se o estresse continuar, teremos uma resposta endócrina que acionará o cortisol, também entendido como o hormônio do estresse.
Vejamos uma situação simples: quando levamos um susto, nosso corpo ativa esse eixo HPA, mas se não se segue a iminência de perigo, baixamos nossos hormônios e relaxamos. Se ainda assim tivermos que manejar a situação (lutar-fugir-congelar) para nos defendermos, isso ainda é resultado do ‘batalhão de choque’ que temos para lidar com situações como essas. Entretanto, não fomos ‘desenhados’ para lidar com essas situações por tempo prolongado. Quando a situação termina, nosso corpo precisa sentir que terminou e sair da resposta de cortisol, e ir para uma resposta de ocitocina e serotonina, hormônios que ativam a sensação de prazer.
O organismo tentará lidar com as cargas de estresse. Fomos feitos para lidar, mas não para viver com isso. Nosso corpo precisa sentir a sensação de segurança após a situação que potencialmente foi traumática ou estressora. Quando isso não acontece ficam resíduos e a soma destes inflama o organismo e desencadeia as doenças.
As ciências da saúde têm caminhado felizmente para uma visão mais integrada no tratamento de pessoas, agregando aspectos nutricionais, de estilo de vida, medicamentosos e de saúde mental visando a saúde na totalidade.
REFERÊNCIAS:
SHAPIRO, F. EMDR: Teoria de dessensibilização e reprocessamento por meio dos movimentos oculares. 3ª ed. São Paulo, SP: Amanauense, 2020.