Reações do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)

Por Ceres Canali

Considere o seguinte relato hipotético:

‘Eram 19:45, a mãe e seus dois filhos, de seis e três anos, estavam ansiosos. A casa perfeitamente arrumada; não havia nada fora do lugar, a cozinha estava brilhando, a janta estava pronta e todos estavam sentados no sofá com seus banhos tomados. Era a hora do pai chegar… bêbado, como sempre. Às vezes chegava mais cedo, mas na maioria, mais tarde, não importa a hora que fosse, todos deveriam esperá-lo para jantar. Seu hálito etílico tomava conta da casa, um estrondo de palavras altas, grosseiras e xingamentos, reclamações de muito ou pouco sal na comida, brigas por ciúmes, porque os filhos respondiam desrespeitosamente, porque algo não estava a contento… E lá vinham bofetões, safanões e ‘cascudos’ na cabeça. Era uma angústia sem fim. Se reclamassem, tudo piorava em mil vezes; se permanecessem quietos, nada o acalmava. Assim, cresceu com uma angústia interna gigantesca, sentia falta de ar, dores de cabeça, diarreia, sempre no início da noite. Não conseguia se relacionar com mulheres, desconfiava de todas as pessoas, sentia que seria mandado embora do trabalho, pois alguma coisa poderia não estar a contento.’

O conceito de transtorno de estresse pós-traumático foi desenvolvido a partir de inúmeras percepções sobre os veteranos, como da guerra do Vietnã, por exemplo, que apresentavam comportamentos traumatizados ao retornar aos seus países de origem. Evidente, manifestavam uma série de problemas e dificuldades ao se reintegrar à sua família e antiga vida social, e muitos experienciavam variados sintomas de estresse ocasionados pelas memórias da guerra. Desde que o conceito foi introduzido no Manual de Estatísticas de Diagnóstico das Doenças Mentais (DSM-IV), tornou-se claro que as síndromes psicológicas dos sobreviventes de abuso sexual e violência doméstica eram as mesmas encontradas entre os sobreviventes de guerra. Nesse sentido, Herman (1992) comenta: “mulheres e crianças que foram agredidas e violadas são vítimas de guerra. Há aí uma neurose da guerra entre os sexos, entre os sobreviventes”.

Sabemos que mulheres e crianças que sofrem consequências da violência doméstica não são malucas ou anormais. A verdade é que simplesmente estão afetadas por eventos cruéis que alteram as suas vidas e destroem o seu bem-estar, e o sofrimento pessoal após tais eventos traumáticos necessita de atenção pessoal.

É possível definir essas vivências como um trauma por envolver todos os eventos ou ações que podem resultar em morte, lesões sérias ou ameaças à integridade física ou psicológica de si, ou de outros. Portanto, a resposta dessas pessoas a esses eventos envolve medo intenso, sensação de desamparo e horror. Mas é necessário distinguir os eventos que ocorrem uma vez, limitados no tempo, como um acidente de carro ou uma doença grave, e os eventos que não estão isolados e ocorrem numa situação de média ou longa duração, como a violência doméstica. Nesse caso, o exemplo citado é uma violência de longa duração, onde passaram anos experimentando aquela angústia.

Para você compreender melhor, os traumas de Tipo I são os produzidos de eventos singulares, únicos, enquanto os traumas de Tipo II resultam da exposição prolongada a repetidas situações estressantes. Algumas reações normais que podem ser esperadas após sobreviver experiências traumáticas são lembranças de vivências dos eventos, pesadelos, vigilância constante, medo, ansiedade, tristeza, agressividade, raiva, desespero, culpa, abuso na ingestão de medicamentos e/ou outras substâncias, falar demais, problemas sexuais, dores no corpo, falta de confiança nos outros e isolamento.

A razão para estas respostas serem tão fortes é devido aos sobreviventes sentirem como se a experiência estivesse aprisionada em seus corpos e mentes. Foi algo tão horrível e doloroso que muitos apenas tentam esquecer ou evitar pensar no que ocorreu, algo muito comum entre sobreviventes de traumas. Em geral, oscilam entre tentativas de esquecer o ocorrido e entre serem assolados com recordações intensas do evento, reação completamente normal com duração de dias ou semanas. Mas quando uma mulher recebe apoio de sua família ou de outras pessoas, é possível passar a compreender suas reações e não sentir que ‘está enlouquecendo’.

A violência doméstica causa um trauma de Tipo II do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e suas reações podem durar por muito tempo, até anos. Judith Herman considera sintomas psíquicos decorrentes do quadro as mudanças complexas de personalidade e/ou identidade, as mudanças na regulação do afeto e dos impulsos, somatização, dissociação, as mudanças na percepção do agressor, de si mesma, nas relações com os outros, na percepção do sentido da vida, em sua autoestima, seu espírito e o seu ser existencial.

Ocorrem também inúmeros sintomas físicos, pois corpo e mente estão intimamente conectados. Assim, podemos encontrar tais sintomas relacionados à parte do corpo exposta ao trauma, especialmente em casos de exposição a violência física. Outras podem ter problemas expressas em disfunções sexuais, mediante dores pélvicas crônicas, doenças de transmissão sexual, problemas musculares ou ósseos, dores crônicas e distúrbios funcionais. Vítimas de violação, em particular apresentam, dores de cabeça, desordens gastrointestinais e problemas menstruais. Gravidezes não desejadas, aborto natural ou induzido, bem como o risco de contrair o HIV também podem ser resultados de violência.

De fato, é um processo muito doloroso a ser enfrentado mesmo após o fim das experiências traumáticas anteriores. Mas resta-nos, enquanto profissionais, procurar identificar a situação traumática e nomeá-la como exemplificado inicialmente, à medida que o personagem associou o horário ao estresse traumático vivido com a chegada de seu pai bêbado. Freud, nesse sentido, já havia sinalizado a necessidade de realizar um movimento repetitivo, de relembrar, relembrar e relembrar na tentativa contínua de dominar o que um dia nos dominou em forma de trauma.

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