Por Ceres Canali
A partir de casos criminais analisados sobre cathfishing, analisa-se a destrutividade na transição do mundo real para o mundo virtual. E para isto, levanta-se sobre as interações complexas entre o corpo físico, a identidade pessoal e a consciência, tanto no contexto real quanto no virtual.
Catfishing é um termo que indica a criação de uma identidade completamente fictícia na internet com o objetivo de enganar um interlocutor e forçá-lo a ter uma relação virtual essencialmente instrumental. Na realidade, consiste numa dinâmica de manipulação-conluio entre dois sujeitos que acabam por se tornar personagens de uma mesma história fantástica, pois, ao fazê-lo, iludem-se em conseguir o que necessitam, ainda que com um custo emocional muito elevado; quando a mentira é descoberta.
No mundo real, o corpo é não apenas um veículo físico, mas também um ponto de partida essencial para a existência humana. Como indicado por várias perspectivas filosóficas e antropológicas, o corpo não é simplesmente um objeto observável, mas a base fundamental da nossa presença no mundo. Maurice Merleau-Ponty, por exemplo, compara o corpo a uma obra de arte, argumentando que ele é inseparável da nossa experiência vivida e da percepção de nós mesmos como seres conscientes no mundo físico.
A corporeidade não se limita à sua função física; ela também engloba a dimensão subjetiva do ‘corpo-que-sou’ que se diferencia do ‘corpo-que-tenho’. Essa distinção entre corpo como objeto e corpo como sujeito é crucial para entender como experienciamos nossa própria existência e como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor.
A identidade pessoal se forma através de interações sociais mediadas pelo corpo físico, onde a ‘pele’ metaforicamente estabelece limites entre o eu interno e o mundo externo, essencial para uma subjetividade coesa. A interação inicial com cuidadores, marcada por experiências táteis e pré-verbais, culmina no desenvolvimento do ‘Eu-Pele’, crucial para a autoconsciência e autorrepresentação unificada. No ambiente virtual, o ‘corpo-projeto’ substitui o físico, permitindo a criação de múltiplas identidades digitais e a manipulação da aparência e percepção de si mesmo. A falta de presença física no espaço digital transforma as interações sociais, facilitando novas formas de engajamento, mas também introduzindo desafios relacionados à autenticidade e sinceridade nas interações interpessoais.
A fragmentação da identidade no ambiente virtual pode resultar em graves consequências psicológicas, como aumento da ansiedade e confusão de identidade, devido à falta de ancoragem física no corpo real. Isso contribui para uma desconexão entre a percepção da realidade e a experiência vivida, dificultando a autenticidade e a autoconsciência. No contexto virtual, a alteração da consciência do ego pode ser perturbadora devido à dissociação entre o self percebido e a realidade objetiva, levando a uma percepção distorcida da própria identidade e das relações interpessoais, às vezes resultando em comportamentos autodestrutivos. A máscara virtual, ou persona digital, ilustra essa ambiguidade, onde no mundo real protege ou manipula percepções, enquanto no digital representa uma identidade manipulável e falsificável, questionando frequentemente a confiança e a autenticidade. E disto advém o uso instrumental do mundo virtual.
Referências:
FUGALI, E. Os limites do meu corpo são os limites do meu mundo. Paris, 2012.
TURKLE, S. A vida na tela: novas identidades e relações sociais na era da Internet. Milão: Apogeo, 1997.