Por Daisy Augusto de Queiroz
O corpo é a primeira linguagem do trauma. Mesmo quando a mente tenta racionalizar, esquecer ou evitar, o corpo lembra. Dores persistentes, tensão muscular, fadiga inexplicável, insônia, problemas digestivos e respiração superficial são alguns dos sinais mais comuns de que há uma história traumática não integrada expressa fisicamente.
Peter Levine (1997), criador da Experiência Somática, propõe que o trauma não seja somente o que acontece conosco, mas o que fica preso em nós. Segundo ele, o trauma é um congelamento do impulso de sobrevivência, mantido no sistema nervoso quando o corpo não pode completar a resposta natural de defesa. Esses resíduos de energia congelada se manifestam no corpo como hiperativação, colapsos ou sintomas crônicos que não encontram explicação médica.
Van der Kolk (2015) reforça essa visão ao afirmar que ‘o corpo guarda as marcas’ e que muitas das queixas físicas recorrentes de pessoas traumatizadas são tentativas do corpo de processar o que a mente ainda não consegue nomear. A mente silencia, mas o corpo continua a gritar em forma de desconfortos, travamentos e reações exageradas a pequenos estímulos.
Além disso, o trauma afeta diretamente o funcionamento do sistema nervoso autônomo. Quando há trauma não resolvido, o corpo tende a alternar entre estados de alerta constante (ativação simpática) e estados de colapso ou apatia (ativação parassimpática dorsal), como proposto na Teoria Polivagal de Stephen Porges. Essa oscilação afeta a regulação emocional e a capacidade de se conectar com os outros, influenciando relações, desempenho profissional e qualidade de vida.
O caminho de reconexão com o corpo passa por práticas de escuta somática e autorregulação. Técnicas como a Experiência Somática, o Mindfulness corporal e a respiração consciente ajudam a restaurar a percepção do corpo como um lugar seguro. Atividades como caminhada lenta, toque consciente, tremores voluntários e pausas de escaneamento corporal são recursos simples, mas eficazes, para acessar e liberar o que está retido.
O corpo precisa ser incluído no processo de cura. Ele não somente carrega o trauma — ele também guarda as pistas para a libertação. Quando escutamos o corpo com curiosidade e presença, abrimos espaço para integrar o que foi fragmentado e, finalmente, permitir que mente e corpo caminhem juntos rumo à cura.
REFERÊNCIAS:
LEVINE, P. A. O Despertar do Tigre: curando o trauma. Summus Editorial, 1997.
VAN DER KOLK, B. O corpo guarda as marcas: cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Editora Artmed, 2015.
PORGES, S. W. Teoria polivagal: fundamentos neurofisiológicos das emoções, apego, comunicação e autoregulação. Senses Editora, 2023.