Além da balança: navegando pelos desafios internos do trauma psicológico e da obesidade

Por Daniele Rodrigues

A obesidade é uma doença crônica, apesar das pessoas ainda não considerarem dessa forma. É vista com naturalidade e julgada como preguiça e desleixo. Possui difícil tratamento, repercutindo de forma negativa na vida dos indivíduos afetados.

De maneira geral, tem influência genética (ancestrais com obesidade tendem a ter descendentes com essa predisposição maior ao ganho de peso), ambiental (pelos maus hábitos alimentares e de estilo de vida inadequado), social (a alimentação é uma fonte de prazer e ainda usada como recompensa) e emocional (que preenche os “vazios da alma”).  Além disso, a alimentação é necessária para a subsistência, o que faz com que seja facilmente aceita e vista com naturalidade.

Comer é bom. Claro que é! Quem não gosta?! Aquele cheirinho delicioso enquanto o alimento está sendo preparado, ou aquele sabor magnífico do prato predileto? É como receber aquele carinho de quem cozinhou com tanto amor, uma textura que afaga o coração. A alimentação mexe com todos os órgãos dos sentidos e envolve mente e coração. Comer é algo físico, mas muito mais mental e emocional.

Assim, a escassez de alimento na infância ou o histórico familiar de escassez de dinheiro e alimento podem influenciar na nossa forma de consumo, inclusive alimentar. É muito comum em famílias que viveram dificuldades financeiras ensinarem consciente ou inconscientemente aos seus descendentes que “nessa casa não se falta comida” e, consequentemente, esbanjar na alimentação e em consumo acima do ideal, levando ao ganho de peso. Nesses casos, é muito comum que sobrepeso e obesidade sejam considerados na família sinônimos de uma “vida boa”, de saúde e vitalidade. Trata-se do sistema de crenças, no campo mental, que move o contexto familiar.

Em outras famílias, o histórico de escassez financeira pode acarretar no movimento contrário motivado pelo sistema de crenças, ou seja, que deve-se evitar abusos e comer somente o necessário para nutrir o corpo para não faltar comida em casa a ponto de sentir fome. Neste caso, dificilmente haverá esbanjamento e reforço para o ganho de peso, mas também se enquadra no contexto traumático em relação com o corpo e a obesidade.

Ambas as situações estão diretamente relacionadas ao trauma transgeracional vivido pelos ancestrais e nutridos aos seus descendentes, passando essa maneira de pensar e agir através do código genético. E, ao contrário do que muitos acreditam, não herdamos somente a cor de pele e o tipo de cabelo em nosso DNA, mas também emoções que influenciam diretamente no nosso sistema de crenças, que são reforçados pelos nossos pais no processo de educação recebidos desde a infância e fortalecidos socialmente ao longo da vida.

Vivemos automaticamente, sem perceber essas características tão fortes e enraizadas dentro de nós. Ao mesmo tempo, todos vivem situações que podem machucar, gerar feridas emocionais, o que favorece o endurecimento de tais comportamentos, visto que a comida traz uma questão afetiva. 

No caso de crianças que precisavam “se virar sozinhas” porque ambos os pais trabalhavam fora ou só tinham a mãe como genitora, o adulto responsável por vezes deixava alimento de fácil acesso aos filhos. Na sua maioria das vezes, eram industrializados que proporcionaram a aprendizagem do mau hábito alimentar e simultaneamente do vazio deixado pela mãe sendo preenchido pela comida.

Esses bolos, bolachas, salgadinhos e outros alimentos ricos em açúcar e carboidratos posteriormente se transformam em açúcar no organismo. E o açúcar é viciante, gera prazer, é uma fonte rápida e fácil para satisfação, mas também sacia rapidamente. Por isso, o consumo é rápido, constante, e a dor do abandono, mesmo que inconsciente, leva a esse comportamento. Assim, esse ciclo se torna vicioso, gerando e fortalecendo uma compulsão alimentar.

Dificilmente um obeso não tem compulsão alimentar. Apesar da obesidade ter vários outros fatores que lhe influenciam, a compulsão alimentar é comum e está diretamente relacionada ao histórico de vida familiar, a qualidade do relacionamento com os pais e aos traumas psicológicos atrelado a principal ferida emocional. Por isso é tão difícil emagrecer, se manter em dietas e tratamentos restritivos, pois o corpo apenas reflete o peso escondido no coração e o obeso é marcado na alma pela restrição.

O caminho para o emagrecimento definitivo está no tratamento e em uma desintoxicação completa: ou seja, no detox físico, para livrar-se de parasitas e outras situações orgânicas que deixa o corpo no estado platô; no detox mental, para alterar o sistema de crenças a partir da investigação e eliminação das emoções negativas que fortalecem esse processo; no detox  ambiental, eliminando hábitos inadequados e substituindo por outras fontes saudáveis de prazer; no detox de relacionamentos abusivos, de resistência gerado pelo medo da mudança e de negação daquilo que lhe faz mal em qualquer momento da sua vida. 

Aceitar que está no caminho errado e precisa de ajuda é primordial. A obesidade é uma doença multifatorial que também precisa ser tratada de forma multidisciplinar.

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