A reconexão com o ciclo menstrual e a energia feminina no processo de cura

Por Gabrielle E. R. Gomes

Os sagrados feminino e masculino são tópicos que vem se popularizando nos últimos anos e obras de ficção em todo o mundo vem pincelando sobre o processo de reconexão da mulher consigo mesma, nem sempre com a aplicação mais adequada dos seus conceitos, mas suficientemente para instigar curiosidade sobre o tema. O exemplo mais recente disso foi uma novela das 19h da Rede Globo, chamada “Vai Na Fé”, ao introduzir um retiro de masculinidade na trama e suscitar inúmeras discussões nas redes sociais, a maioria com elevado grau de ceticismo e criticidade, outras das quais perduraram suficientemente para motivar a escrita deste artigo.

Muitos argumentam que as práticas e crenças do sagrado feminino reforçam os estereótipos da mulher somente enquanto cuidadora e conectada à natureza, sem reconhecê-la em outras áreas de atuação, como nas ciências, nas finanças ou na tecnologia. Há também quem questione a ênfase atribuída ao ciclo menstrual como algo sagrado e central, pois supostamente reforça seu valor vinculado à biologia. Ainda, quais são as evidências dos benefícios à saúde? É placebo, no máximo apenas efeitos psicológicos.

Essa mudança de percepção e busca por reconexão interior não significa uma rejeição ao mundo moderno ou às exigências diárias, mas sim uma a procura por equilíbrio e maior bem-estar. Não se trata de passar de uma polaridade a outra baseado na identidade de gênero (como se, por exemplo, se você é mulher deverá estar na energia yin e se é homem deverá estar na energia yang), mas de se permitir abraçar a ambas, curar aqueles aspectos em si que carecem de mais atenção e cuidado, e se reconectar consigo com maior receptividade, intuição, criatividade, nutrição e conexão com a natureza e espiritualidade enquanto continua a tomar iniciativas, enfrentar desafios e ser produtivo no cotidiano.

Ambas as energias podem (e devem) estar alinhadas, e uma das ações que torna isso possível está justamente na ideia central deste artigo. Reconectar-se de maneira profunda com o ciclo menstrual exige mais do que apenas observação; requer uma transformação interior e o rompimento de paradigmas profundamente enraizados.

Historicamente, em muitas culturas ancestrais, o sangue menstrual era homenageado, sagrado e reverenciado por representar a capacidade de transmutação com a Terra e o cosmos, uma das manifestações mais profundas de conexão entre corpo, mente e espírito. Honrá-lo era também honrar o ciclo de vida e morte, de criação e renovação. Com o advento da modernidade e do distanciamento das práticas espirituais naturais, passou a ser estigmatizado e reduzido a um aspecto biológico desconfortável, muitas vezes tratado com vergonha, raiva ou tabu. As mulheres se desconectaram de si e passaram, então, a recorrer a métodos para suprimi-la ou controlá-la, algo normalizado, recorrente na atualidade e plenamente compreensível, mas que pode resultar em desequilíbrios como dores intensas, irregularidades hormonais, transtornos de humor e desconforto com a própria feminilidade.

O primeiro a ser rompido (e talvez o mais desafiador dentre eles) é deixar de vê-lo negativamente, mas como uma bússola interna que revela o seu estado físico, emocional e energético em cada fase, capaz de guiar sua vida cotidiana. Ao prestar mais atenção e identificar padrões e sintomas que antes passavam despercebidos, as mudanças de energia e humor durante cada fase pode sinalizar desequilíbrios hormonais ou nutricionais que, uma vez reconhecidos, podem ser tratados com pequenos ajustes na alimentação, exercícios físicos adequados e práticas de autocuidado.

Por exemplo, imagine que, todo mês, perto do seu ciclo menstrual (ou em determinado período do mês caso seja um padrão recorrente), você percebe ficar extremamente cansada, ligeiramente impaciente e uma vontade incontrolável de comer doces. Antes, talvez achasse ser somente “TPM” ou “coisa da sua cabeça”. Mas, ao observar com mais atenção, passou a perceber a coincidência com uma queda na sua ingestão de proteínas e ferro ou com noites mal dormidas.

Com essa consciência, ao invés de se sentir refém dessas oscilações ou achar que algo está “errado” com você ou estar agindo com “frescura”, sendo “mimizenta”, pode começar a se preparar para essa fase: incluir alimentos ricos em ferro e magnésio na dieta, dormir melhor, e reduzir cafeína e açúcar. Assim, você usa essa “bússola interna” a seu favor, ajustando pequenos hábitos e sentindo mais equilíbrio no dia a dia.

Além disso, a menstruação está intrinsecamente relacionada às emoções. Muitas mulheres experimentam mudanças significativas em diferentes fases e, ao se reconectar com essas flutuações, podem aprender a se permitir senti-las sem repressão ou vergonha, facilitando seu processo de cura nos quatro pilares da saúde (isto é, saúde física, mental, emocional e espiritual, também chamado de energético).

Outro grande paradigma importante é desenvolver consciência corporal e emocional, adaptando sua rotina e suas atividades segundo as especialidades de cada fase do ciclo. Ao todo, também são quatro: menstrual, folicular, ovulatória e lútea. A fase menstrual (também chamada de inverno interno) é um período de liberação e renovação, cuja energia tende a ser mais introspectiva e reflexiva. Nela é ideal priorizar o descanso e sono de qualidade, atividades respiratórias (ou pranayama), meditação e visualização, yoga restaurativa (ou yin yoga), dança intuitiva e leituras leves, respeitando sua flutuação emocional e seu próprio ritmo interno.

Em seguida, na fase folicular (ou primavera interna), o corpo se prepara para uma possível ovulação, movimentando uma energia de renovação e crescimento semelhante à primavera, período propício para explorar horizontes em viagens de curta duração, passeios ou novas experiências. Esse vigor e anseio por ação favorece o planejamento, o estudo, a organização da rotina, a criação de novos projetos e fortalece conexões sociais, pois a mulher tende a se sentir fisicamente mais disposta, criativa e extrovertida. O autocuidado passa a ser mais frequente a partir desse momento, com investimentos em tratamentos de pele, cabelo, unhas, saúde mental e/ou práticas de atividades físicas de flexibilidade e alongamento.

A fase ovulatória (ou verão interno) é marcada pelo pico de energia, criatividade e socialização, resultantes dos altos níveis de estrogênio, e muitas mulheres se sentem mais extrovertidas e confiantes. É normalmente quando ocorre uma constância na prática de treinos de alta intensidade, maior cuidado com a aparência e conexão emocional e física com parceiros, e atividades intelectualmente estimulantes, pois é  um período favorável para relações, comunicação e atividades que exigem presença.

E, após a ovulação, o corpo se prepara para a menstruação caso não haja fecundação, chamada de fase lútea (ou outono interno), período de maior introspecção, recolhimento e intensificação das emoções, revelando questões não resolvidas e maior sensibilidade geralmente associada à tensão pré-menstrual (TPM). Por isso, é priorizado atividades físicas mais leves, como caminhadas, alongamentos ou yoga, que podem reequilibrar as emoções sem sobrecarregar o corpo.

Tendo em vista as alterações dos níveis de progesterona e estrogênio no organismo, atividades físicas moderadas e intensas podem aumentar o nível de cortisol (hormônio do estresse) e exacerbar reações emocionais como irritabilidade, ansiedade ou depressão leve. Além disso, a temperatura corporal aumenta, podendo levar a uma sensação de cansaço mais rápido durante os exercícios; a resposta ao estresse físico é menos eficiente, resultando na diminuição da performance em atividades de alta intensidade; e a flexibilidade das articulações e dos ligamentos também é afetada, aumentando risco de lesões principalmente em exercícios de impacto ou que exigem maior mobilidade articular, como corridas, saltos ou levantamento de peso intenso.

Em uma sociedade que muitas vezes valoriza a supressão dos aspectos naturais do corpo humano, abraçar sua ciclicidade ao invés de tentar se encaixar em padrões lineares e constantes de produtividade é um modo de reivindicar espaço ao feminino, ao descanso, à intuição e ao autoconhecimento. Esse movimento de auto expressão favorece desbloqueios energéticos, alívio de sintomas físicos e presença no aqui e agora, que pode se dar a partir da construção de um diário, por exemplo. Ao notar suas mudanças físicas, emocionais e energéticas, até sobre sonhos, novas percepções sobre a vida e mudanças na libido, é possível promover maior aceitação do próprio corpo.

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