Por Gabrielle E. R. Gomes
O conceito de sagrado feminino está enraizado em várias culturas e tradições espirituais ao redor do mundo, remetendo a uma reverência pela essência feminina que transcende o gênero e a sexualidade. Não se trata de um culto religioso tampouco de uma identidade partidária, mas de uma celebração da energia feminina e conexão com a natureza e uma espiritualidade que honra as qualidades associadas ao feminino, isto é, a intuição, criação, o cuidado, a sabedoria, fertilidade, criatividade e a conexão.
Esse conceito é muitas vezes representado por arquétipos femininos presentes em mitologias, como a deusa mãe, que simboliza a nutrição e a criação, ou a deusa guerreira, que encarna a força e a proteção. E essas figuras não apenas reverenciam o feminino como também são modelos de empoderamento, permitindo a conexão com aspectos profundos de si mesma e da sua essência. Por isso, nesse contexto, o empoderamento está além do mero fortalecimento de direitos ou da luta por igualdade; trata-se de um processo de reconexão com o próprio poder interior a partir de uma figura que faça sentido para si, acessando sua identidade com propósito independentemente das expectativas sociais ou das normas patriarcais.
Essa reconexão com a espiritualidade é muitas vezes catalisada através de práticas meditativas, rituais que envolvem a expressão corporal com danças e cantos, celebrações de conexão com a natureza e várias outras formas de expressão artística e espiritual que auxiliam na liberação de emoções reprimidas, na reconquista da autoconfiança e no redescobrimento do próprio valor, norteando um caminho em direção a uma cura profunda sobretudo de experiências traumáticas que muitas vezes levam à dissociação da própria identidade. Além disso, também é muito comum que violências, abusos e outras formas de opressão gerem a internalização de sentimentos de culpa, vergonha, medo, e distanciamento físico, emocional e espiritual das características que definem as suas feminilidades, resultando em um ciclo de auto alienação e desvalorização.
Dito isso, o trauma não afeta apenas o psicológico, mas também se manifesta no corpo. Mulheres traumatizadas muitas vezes experimentam sintomas psicossomáticos como dores crônicas, distúrbios gastrointestinais e disfunções sexuais, por exemplo, que podem ser exacerbadas devido à repressão emocional e problemáticas patriarcais. E uma das formas mais poderosas de cura e empoderamento é através da reconquista da própria voz. A voz, aqui, é entendida não apenas como a capacidade de falar, mas como a expressão autêntica do eu interior, seja através da fala, da arte, da escrita ou de outras formas criativas. Contar sua própria história é uma das formas mais eficazes de empoderamento por permitir reinterpretar suas experiências sob uma nova ótica, transformando a dor em poder.
Os grupos de apoio e as terapias narrativas são alguns dos métodos que facilitam essa expressão, proporcionando um ambiente seguro para compartilhar suas histórias sem temer julgamentos. Já nos círculos de mulheres, é como se fizessem parte de um microcosmos de uma comunidade maior. Com apoio mútuo, as participantes são convidadas a compartilhar suas experiências, expressar emoções frequentemente reprimidas e celebrar a feminilidade existente dentro de cada uma, favorecendo seu empoderamento.
Além disso, a arte também tem um papel fundamental nesse processo. A pintura, a escultura, a dança e a música são outros meios pelos quais é possível expressar emoções por vezes difíceis de verbalizar. Isso pode ocorrer em rituais e práticas espirituais como meditações guiadas, jornadas xamânicas, círculos de mulheres, cerimônias de lua e outros ritos que celebram o corpo, a mente e o espírito. As cerimônias de lua, particularmente as de lua nova e cheia, são práticas muito comuns no sagrado feminino por sintonizarem com os ciclos da natureza e celebrarem a conexão com a Terra. A lua, com suas fases mutáveis, é símbolo de feminilidade, morte e renascimento, representando a ciclicidade da vida.
Por fim, o sagrado feminino como caminho de autoconhecimento, desenvolvimento espiritual e empoderamento oferece às mulheres um modo de se reconectar consigo mesmas no âmbito mais profundo, atribuindo novos significados às suas experiências traumáticas. Honrar o feminino dentro de si favorece a cura de feridas profundas causadas por traumas, preconceitos, crenças limitantes, diferentes culturas e formas de opressão, em um processo de redescobrir sua própria voz e expressar-se plenamente no mundo, não apenas sobrevivendo, mas florescendo em sua totalidade. Empoderamento, nesse contexto, não é apenas uma questão de adquirir poder, mas de recuperar o poder que sempre esteve presente, mas foi obscurecido por outras pessoas conscientemente ou não.