Uma influência invisível: desvendando a transmissão transgeracional do trauma

Por Sofia Scheidemantel Jacobsen

A história de nossas famílias, com seus desafios e superações, molda quem somos. Mas será que essa influência se limita à aparência física e traços de personalidade? A resposta é não.

A transmissão transgeracional do trauma, um conceito central na teoria sistêmica, revela como experiências dolorosas vividas por nossos antepassados podem reverberar em nossas vidas, mesmo sem que tenhamos consciência delas. Mas, afinal, o que é um trauma transgeracional?

Imagine um rio. Se uma grande pedra cair em seu leito, a água desviará seu curso, criando novas correntezas e remansos. Da mesma forma, um trauma familiar, como uma guerra, um abuso ou uma perda, pode gerar ‘pedras’ emocionais que alteram o fluxo da vida familiar. Essas pedras podem ser segredos, padrões de comportamento disfuncionais ou emoções não resolvidas que são transmitidas de geração em geração. Assim, um indivíduo pode carregar o peso de um trauma vivido por seus avós, mesmo sem saber a história completa.

A transmissão do trauma ocorre de diversas formas. Uma delas é através da comunicação. Pais traumatizados podem, mesmo inconscientemente, transmitir suas ansiedades e medos aos filhos. Outra forma é através da repetição de padrões. Uma família que vivenciou a pobreza pode desenvolver uma relação disfuncional com o dinheiro, repetindo padrões de escassez mesmo em momentos de prosperidade.

A epigenética, campo da ciência que estuda como o ambiente pode influenciar a expressão dos genes, também oferece uma explicação biológica para a transmissão transgeracional do trauma. Esse campo da ciência estuda como o ambiente pode influenciar a expressão dos genes, sem alterar o código de DNA em si.

Imagine que o DNA é como um livro de receitas, e a epigenética são marcações que dizem quais receitas (genes) devem ser ‘ligadas’ ou ‘desligadas’ em um determinado momento. Essas marcações podem ser influenciadas por diversos fatores, incluindo experiências traumáticas. Quando uma pessoa vivencia um trauma, como a perda de um ente querido ou um abuso, seu corpo reage de diversas formas, e essas reações podem levar a alterações epigenéticas.

O mais interessante é que essas alterações epigenéticas podem ser passadas para as gerações seguintes. Ou seja, os filhos e netos de pessoas que vivenciaram traumas podem herdar essas marcações, mesmo que não tenham passado pelas mesmas experiências. E essas alterações também podem influenciar a forma como os genes são expressos, afetando a saúde física e mental dos descendentes. Por exemplo, estudos sugerem que filhos de sobreviventes do holocausto têm maior risco de desenvolver transtornos de ansiedade e depressão.

A epigenética nos mostra que a história de nossos antepassados pode deixar marcas muito além do que imaginávamos. Nossas experiências, e as de nossos pais e avós, podem afetar a expressão dos nossos genes, influenciando nossa saúde e bem-estar. A teoria sistêmica, que vê a família como um sistema interconectado, complementa oferecendo uma ferramenta bastante importante para compreender a transmissão transgeracional do trauma.

Essa teoria nos mostra que a família é como um organismo vivo, onde cada membro influencia e é influenciado pelos demais. Um trauma familiar, como a perda de um filho, pode gerar um desequilíbrio no sistema, afetando a todos os membros, mesmo aqueles que não vivenciaram diretamente o evento.

A boa notícia é que o ciclo de transmissão pode ser interrompido. E a psicoterapia, especialmente a terapia familiar sistêmica, oferece um espaço seguro para que os membros da família possam explorar seus traumas, ressignificar experiências dolorosas e desenvolver novas formas de se relacionar.

REFERÊNCIAS:

CENTRO DE PESQUISAS EM PSICANÁLISE E RELIGIÃO (CPRJ). O que é transmissão psíquica transgeracional? Disponível em: https://cprj.com.br/primordios/06/09_Conversando%20sobre%20transmiss%C3%ADquica%20e%20transgeracionalidade.pdf. Acesso em: 12 mar. 2025.

SOUZA, M. R. C. de; SALES, C. M. R.; CUNHA, C. C. de M. Transmissão transgeracional: uma revisão da literatura. Revista da Associação Brasileira de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 1-10, 2020. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382020000100010. Acesso em: 12 mar. 2025.

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