Por que as pessoas se cortam?

Por Michele Beckert

Para entendermos isso, é importante falarmos que duas causas podem estar contribuindo para esse comportamento: as redes sociais, que fariam com que isso virasse de certa forma ‘uma moda’ especialmente entre os adolescentes, e os traumas psicológicos. Neste texto, falarei apenas sobre a segunda causa, pois para compreender melhor, primeiramente necessitaríamos ter a consciência de que o trauma psicológico é um momento de grande desamparo emocional.

Nas situações traumáticas, os seres humanos acionam um mecanismo de emergência que dispara uma série de reações físicas e pensamentos, preparando o corpo para uma situação de luta, fuga ou congelamento. Teóricos da teoria do trauma apontam que, para haver um trauma, devemos ter algum tipo de congelamento, ‘congelando’ justamente as memórias celulares em decorrência das lembranças de desamparo, normalmente localizadas no córtex subcortical, mais primitivo e somático.

Cada vez que acionado um gatilho traumático, como uma situação em que um sujeito sentiu que seria abandonado (e perceba que não necessita ser uma ameaça real), houve uma descarga de noradrenalina, um neuro-hormônio disparado somente em situações de perigo. Além disso, a cada novo gatilho, mais retraumatizações terá, formando assim um ciclo interminável de traumas e gatilhos.

Robert Scaer fala de um conceito interessante, chamado quebra de barreiras. Para ele, todos temos um campo magnético ao nosso redor que se expande quando nos deparamos com uma situação que nos desperte segurança e proteção. Caso contrário, diante de uma sensação de perigo, este campo se diminui e nos deixa mais atento. Um trauma é a quebra dessa barreira, tornando-nos mais vulnerável em um local do corpo do que em outro. Há evidências comprovando que pessoas que se automutilam, ou seja, que se cortam, normalmente o fazem mais de um lado do corpo do que de outro. E quando há essa ruptura, essa flexibilidade do campo magnético também acaba, gerando o que chamamos de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), quadro no qual o corpo também fica mais vulnerável a novas traumatizações.

Provocar um ferimento intencionalmente é uma defesa primária do TEPT, uma maneira para dar continuidade em sua vida apesar do trauma e separando o sentimento da memória vivenciada, ao que é chamado de dissociação. E essas ações decorrentes da dissociação somática também pode ser consideradas parassuicídio, isto é, ações que não tem como intenção direta o suicídio. Cortar-se é tido como um modo de aplacar a ansiedade causada pela lembrança do trauma. Como o afeto dissocia a memória do fato, trata-se de literalmente cortar na carne o que dói na alma. Ademais, podemos afirmar que, nas situações em que não há proteção adequada ou que o indivíduo se coloca em risco, também podem ser considerados parasuicídio.

Outra questão interessante levantada pelo teórico Van der Kolk é a compulsão da repetição, tema bastante comum na Psicologia. Nela, quando um sujeito se coloca em situações análogas às que fazem sofrer, buscando uma forma de ressignificá-las, mesmo que inconscientemente, repetem suas ações puramente por vício. Sim, isso mesmo! A cada vez que se corta, ocorre um disparo de noradrenalina, o mesmo neuro-hormônio disparado em situações de perigo, que aciona o mecanismo de defesa e desperta a necessidade de abafar a ansiedade sentida. Isso se torna um mecanismo de compensação tal qual o que ocorre com as drogas, onde a dissociação faz com que o sujeito não sinta dor. Isso significa que quanto mais traumatizado for, menos dor terá ao se machucar.

Diante dessas informações, ainda que um tanto polêmico, é possível afirmar e comprovar que as terapias tradicionais baseadas exclusivamente em aspectos cognitivos normalmente têm pouco alcance e resolubilidade quando tratamos de dissociações e consequentemente de traumas.

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