Por Celso Paulo Martins
O senso comum reputa às agressões, catástrofes, ou aos incidentes de qualquer natureza a causa do trauma. No entanto, outra leitura nos chega através do doutor Peter Levine, que desenvolveu o SE® Somatic Experience (ou Experiência Somática, em português) na década de 1970, de que o trauma é a resposta da fisiologia à sobrecarga das sensações sentidas durante o evento.
Isso torna possível duas conclusões: primeiramente, nem todas as pessoas que passam pela mesma experiência difícil desenvolvem sintomas traumáticos, pela diferente história de vida de cada um. E, em segundo lugar, esses sintomas residuais ao fato somente poderão ser descarregados do sistema neurovegetativo, que responde aos estímulos incessantemente, uma vez que essas sensações configuram o retrato congelado do que foi vivenciado naquele episódio e, portanto, poderão ser acessadas por um terapeuta habilitado. O cérebro e suas ramificações nervosas não distinguem o tempo linear. Para eles, tudo está no tempo presente, no ‘agora’.
Evidentemente, os traumas não tratados com a brevidade necessária poderão se cronificar em eventos similares, aumentando a sensibilidade ao sofrimento físico e emocional, e a novos episódios que irão se acumular aos existentes. Crianças, principalmente abaixo do terceiro ano de vida, são especialmente frágeis e terrivelmente afetadas pela falta de afeto, maus tratos, abusos ou negligências, fatores estressores que ocorrem com frequência no ambiente familiar. Porém, quando atendidas precocemente, recuperam sua vivacidade e saúde plena.
A questão da saúde merece uma atenção especial. Estudos como o CDC-Kaiser, a partir das Experiências Adversas na Infância (ou ACEs, Adverse Childhood Experiences, em inglês) realizado no sul da Califórnia entre 1995 e 1997, provou que o sofrimento infantil provoca impactos tremendos na vida do indivíduo, como a futura perpetração e vitimização da violência ou danos permanentes à saúde e às oportunidades durante a vida. De fato, ficou demonstrado, em levantamentos longitudinais, que doenças graves e fatais têm íntima correlação com esses ACEs.
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam o Brasil como recordista em Transtornos de Ansiedade e Depressão. Esses efeitos podem ser derivados do estresse nos grandes centros, onde a pressa e a urgência são a tônica, condições de vida mais difíceis, bem como em decorrência da aflição criada pela COVID-19. O sistema nervoso autônomo interpreta como risco de não sobreviver e elicia respostas primitivas de fuga ou luta, para sobreviver ao pior. Porém, se as tentativas são frequentemente frustradas, o saldo poderá ser a exaustão de recursos e a depressão, já apontada pela OMS em 2018 como a doença mais debilitante do século XXI.
Daí a importância de se colocar as memórias disfuncionais criadas pelo trauma no passado, que nada mais são do que a impotência ou incapacidade em lidar com as sensações corporais e as emoções originadas. Felizmente, abordagens corpo-mente como o SE, EMDR e Brainspotting fazem isso com maestria, oportunizando a remissão breve dos sintomas por atuar nas causas desses conflitos, dos quais são inacessíveis por outros meios e nenhum medicamento pode alcançar: as memórias instaladas no sistema nervoso.
Os estímulos ambientais desfavoráveis são quase sempre inevitáveis, não se tem controle sobre tudo. Porém, atualmente as neuroterapias citadas nos oportunizam a capacidade de reverter as consequências de forma eficaz e definitiva. A escolha é individual.
REFERÊNCIAS:
About the CDC-Kaiser ACE Study. CDC Centers for Disease Control and Prevention. Disponível em: <https://www.cdc.gov/violenceprevention/aces/about.html>. Acesso em: 15 ago. 2022.
Pandemia de COVID-19 desencadeia aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo. OPAS Organização Pan-Americana em Saúde. 2 mar. 2022. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/noticias/2-3-2022-pandemia-covid-19-desencadeia-aumento-25-na-prevalencia-ansiedade-e-depressao-em>. Acesso em: 15 ago. 2022.
SERRANO, A. Brasil, o país mais ansioso do mundo. Estado de Minas, Belo Horizonte, 03 jul. 2022. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/saude-e-bem-viver/2022/07/03/interna_bem_viver,1376936/brasil-o-pais-mais-ansioso-do-mundo.shtml>. Acesso em: 15 ago. 2022.