Medos, estresse e traumas: como nosso organismo funciona?

Por Priscila Camile Barioni

O ano de 2020 será inesquecível para toda a humanidade, pois se tornou um marco histórico que vem nos ensinado muita coisa. Nesse período de incerteza, o ser humano vivenciou de forma mais concreta sua experiência de finitude. Com certeza, uma experiência carregada de muito medo, estresse e trauma.

Pense no processo evolutivo da espécie humana. A resposta neuronal de medo foi essencial para nossa sobrevivência. Primatas que não sentiam medo ou não estavam em constante alerta diante do meio não sobreviveram, por exemplo.

No cérebro, temos uma região chamada amígdala responsável pela resposta de alerta em decorrência da sensação de medo. Ela é nossa guardiã contra qualquer perigo e sua resposta é sempre rápida e automática. Isso ocorre por estar localizada no sistema límbico e sua resposta ser subcortical, ou seja, antes do pensamento ou raciocínio ocorrer. Por exemplo, quando vemos algo que imediatamente pensamos ser uma cobra e saímos correndo, assustados, mas somente depois cogitamos a possibilidade de não ser exatamente aquilo, olhamos para trás e constatamos ser um graveto ou galho de árvore, e restauramos nosso sistema nervoso. Da mesma forma, quando alguém se dirige a você de tal maneira que aciona seu sistema de alerta, fazendo com que tenha uma reação exagerada.

Você não percebe, mas sua amígdala está sempre trabalhando para protegê-lo(a) do perigo… O problema é que ela não diferencia o perigo real (uma cobra) do perigo imaginado (um graveto). Por vezes ficamos tão concentrados no medo interno que não conseguimos fazer qualquer atividade cotidiana, medos que surgem na forma de imagens e pensamentos ruminantes, intrusivos, que não deixam nossa cabeça. Trata-se de um comportamento automático e ocorre independente de nosso raciocínio consciente. Se nós não o revisarmos e tomarmos consciência, inevitavelmente nos controlará.

Além disso, a amígdala, na sua reação automática, não consegue diferenciar o medo produzido por um perigo real do medo produzido por memórias e pensamentos ruminantes. Ela reage a ambas as situações da mesma forma. As redes neurais que vão da amígdala para o córtex são mais densas que as que vão do córtex para a amígdala. Isso quer dizer que, estruturalmente, quando o assunto é medo, a rede inconsciente ganha a disputa com a rede consciente.

Desde o nascimento, nosso cérebro é moldado a partir de nossas experiências, com a premissa de busca por prazer e evitação da dor ou sofrimento. Ele não gosta do desconhecido, pois o leva a situações onde existe pouco controle e, portanto, o sentimento de ameaça. Por isso nossa tendência de buscar pistas e dicas que tornem uma situação estranha em familiar, pois buscamos por algo que nos traga familiaridade e conforto, e criamos expectativas como modo de nos preparar para novas experiências.

Sentir medo é sentir-se ameaçado, e isso é sofrimento emocional. Lembre-se sempre disso: seu corpo não sabe se a ameaça é real ou não. Podemos ter uma vida tranquila, mas ter uma mente que vive em uma guerra, em decorrência de vivências traumáticas passadas. Entenda que o trauma é o resultado de uma abundância de estresse que excede a capacidade do indivíduo de enfrentar ou de integrar as emoções envolvidas na experiência traumática. O sistema nervoso sofre, a partir daí, um dano como resultado de uma quantidade esmagadora de estresse que excede a capacidade de lidar com o problema ou integrar as emoções envolvidas na experiência, fazendo com que se sinta desamparado em um mundo perigoso.

Quando falamos em traumas, é natural haver uma tendência a associar o tema a experiências de violência, abuso, sequestro e tragédias naturais, ou seja, situações que envolvem ameaça à vida. No entanto, qualquer situação em que a pessoa se sinta emocionalmente sobrecarregada e ameaçada, pode resultar em trauma psicológico. O que vale não é a experiência em si, mas a forma que ela foi percebida e vivida. A mente pode estar em guerra mesmo quando o ambiente é tranquilo.

A maioria da comunicação entre as pessoas se dá de forma não verbal, ou seja, mediante dicas sociais que percebemos e interpretamos de forma automática, sem a interferência da consciência. Se alguém olha para mim da forma que meu pai me olhava em um contexto de recriminação, automaticamente me sentirei ameaçada com esse olhar mesmo no contexto da outra pessoa, pois não representa nenhuma censura. Esses comportamentos automáticos são perigosos por tomarem suas conclusões antes de usar de recursos mais refinados para isso.

A ação da amígdala para nos alertar e fazer com que possamos reagir às situações de perigo é extremamente importante, mas nosso corpo adoece quando exposto a contínuas situações de estresse. Não conseguimos sustentar nosso organismo pronto para ação por muito tempo. De fato, não vivemos mais na selva, o que indica que a ameaça de vida ou morte não deve ser uma constante em nossas vidas. Então, por que sentimos que cada vez é mais difícil relaxar?

Os animais têm um comportamento bem previsível e reconhecem naturalmente quais são seus predadores. Na vida humana, isso muda de figura. Nossas fontes de estresse são muito mais complexas e imprevisíveis. Você já parou para pensar quais são seus perigos reais atualmente? Será que você corre risco todos os dias? Seu nível de alerta está coerente com a sua realidade ou será que sua amígdala está sendo ativada desnecessariamente, mantendo-o em um ciclo vicioso de estresse?

Quando temos um córtex frontal disfuncional, perdemos a capacidade de julgar de maneira adequada às situações diárias e deixamos a cabo de nosso mecanismo mais primitivo e instintivo a decisão sobre determinada situação ser perigosa ou não. Com isso, vive-se em um ciclo de ansiedade. Um exemplo claro dessa situação são os traumas. Depois da vivência de uma experiência traumática, o organismo permanece em um constante estado de alerta, como se o trauma pudesse se repetir a qualquer momento. São vividos como estados constantes de ansiedade provocado pela vivência de uma situação traumática (ou situações recorrentes), e continuamente vividos na forma de imagens intrusivas. 

O cérebro de uma pessoa que passa por situações traumáticas se reajusta para sobreviver à experiência, mas o ajuste visa a regulação a curto prazo. A longo prazo, diversos sintomas aparecem ligados a essa memória. São queixas comuns o sentimento de culpa, isolamento, irritabilidade, dificuldade para dormir e para se concentrar. Dependendo da situação, a pessoa não consegue resgatar sua vida normal. Mas as terapias que recorrem a conhecimento neurocientífico têm sido fundamentais nesse tipo de tratamento.

O trauma resultante em anos de extrema negligência emocional, medo, ódio e hipervigilância altera a estrutura física do cérebro, assim como seu funcionamento eletroquímico. Estresse e trauma alteram a capacidade de processamento do cérebro. Por exemplo, se tenho medo de sentir medo, buscarei padrões cada vez mais previsíveis e rígidos de me comportar, pois a imprevisibilidade dá abertura ao novo e a novidade pode ser assustadora.

No entanto, precisamos do novo para aprender; erramos quando deixamos nossa zona de conforto, e errar é crucial para inúmeros processos de aprendizagem. Se o custo do erro for percebido como sendo muito alto, errar passará a ser inaceitável. Se sou uma criança que vive em um ambiente que não aceita falhas, buscarei formas de controlar o meio para evitar o sofrimento do erro. Porém, essa situação elevará meu nível de ansiedade e fará com que eu erre ainda mais. E, com o decorrer do tempo, essa criança entrará em um estado de desamparo aprendido e só fica esperando pela punição inevitável que certamente virá.

Se o custo de nossos erros passados for excessivamente alto, certamente estaremos instalando padrões traumáticos em nossos processos mentais. Muitas vezes, nesses casos, as pessoas nem procuram ajuda psicológica, pois se habituaram a viver dessa forma tão disfuncional. Por isso, aprender a inibir e controlar o cérebro emocional é uma questão de maturidade, cuja área responsável pelo controle emocional é o córtex frontal. E, se sua atividade estiver desregulada, haverá dificuldade de inibir esses impulsos do cérebro emocional. A vivência de experiências traumáticas diminui essa capacidade.

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