Lesão moral e burnout: aspectos psicológicos, traumáticos e terapias de reprocessamento

Por Michele Beckert

A lesão moral no ambiente de trabalho é um fenômeno que tem ganhado crescente atenção devido às suas graves consequências psicológicas. Situações como assédio, humilhação, injustiças e sobrecarga excessiva podem gerar danos emocionais profundos, contribuindo para o desenvolvimento do burnout e desencadeando respostas traumáticas. A sobreposição desses dois fenômenos, lesão moral e burnout, pode comprometer significativamente a saúde mental, exigindo abordagens terapêuticas eficazes para recuperação. E este artigo explora os aspectos psicológicos e traumáticos da lesão moral associada ao burnout, apresentando tratamentos baseados em terapias de reprocessamento traumático.

A lesão moral ocorre quando um indivíduo sofre danos emocionais devido a um tratamento injusto ou abusivo no ambiente de trabalho. Esse sofrimento psíquico pode evoluir para quadros de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e burnout. Alguns dos principais impactos psicológicos incluem exaustão emocional, sentimentos de humilhação e desamparo, despersonalização, desconexão emocional, hipervigilância e ansiedade.

A exposição contínua a um ambiente de trabalho tóxico desgasta o indivíduo, levando a um esgotamento emocional profundo e incapacidade de lidar com as demandas do dia a dia. A lesão moral pode fazer com que a vítima se sinta impotente, humilhada, desamparada, desvalorizada e desprotegida, minando sua autoestima e gerando um senso de desesperança, se distanciando emocionalmente de seu trabalho e de seus colegas como forma de defesa e desenvolvendo uma atitude cínica e indiferente. Em muitos casos, também costuma gerar um estado de alerta constante no qual sente precisar estar sempre pronto para se proteger de novas agressões, o que contribui para o desenvolvimento de transtornos ansiosos e depressivos.

O burnout causado por lesão moral pode ser entendido como uma resposta ao trauma psicológico. Quando exposto a situações repetitivas de abuso, o sistema nervoso reage de maneira semelhante ao que ocorre em eventos traumáticos, com hiperativação da amígdala cerebral, dissociação, mecanismos de defesa e alterações no sistema nervoso autônomo.

Muitas vítimas de lesão moral entram em estados dissociativos para suportar o sofrimento, isto é, quando partes da memória ficam inconscientes, o que pode levar a problemas de memória, concentração e desconexão emocional. A amígdala cerebral, região do cérebro responsável pela detecção de ameaças, fica constantemente ativada, gerando respostas emocionais intensificadas e dificuldade de regulação do medo. E, de acordo com a Teoria Polivagal, indivíduos expostos a traumas prolongados podem oscilar entre estados de hiperativação (com sintomas como ansiedade e irritabilidade) e colapso (apatia e depressão), dificultando sua recuperação.

Dado que o burnout associado à lesão moral envolve respostas traumáticas, abordagens terapêuticas que reprocessam memórias traumáticas são altamente eficazes. Algumas das principais intervenções incluem o EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing, que significa Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares em português) e o Brainspotting. O EMDR auxilia a reorganizar as memórias traumáticas, reduzindo sua carga emocional e promovendo um novo processamento cognitivo dessas experiências. A Experiência Somática (ou Somatic Experience) foca na liberação da energia acumulada no corpo devido ao trauma, auxiliando na regulação do sistema nervoso e na restauração do senso de segurança interna.

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com foco no trauma, utilizando técnicas de reestruturação cognitiva, ajuda a modificar crenças negativas internalizadas e a desenvolver novas formas de enfrentamento. Já o Mindfulness e técnicas de regulação autonômica, como práticas de respiração consciente, meditação e exercícios de aterramento (ou grounding) auxiliam no reequilíbrio emocional e na redução da hiperativação do sistema nervoso.

A lesão moral no trabalho é uma fonte significativa de sofrimento psicológico e está intimamente ligada ao desenvolvimento do burnout. Seu impacto traumático exige intervenções terapêuticas específicas, que ajudem na ressignificação das experiências e na restauração da saúde emocional. O uso de terapias de reprocessamento traumático, associado a estratégias de autorregulação e suporte psicossocial, pode proporcionar uma recuperação eficaz e fortalecer a resiliência dos indivíduos afetados. O reconhecimento do problema e o investimento em abordagens adequadas são essenciais para combater o sofrimento emocional gerado pela lesão e promover um ambiente de trabalho mais saudável e humano.

 

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