Emoções pós-operatórias: trauma psicológico e cirurgia bariátrica

Por Joelson Gulin e Daniele Rodrigues

É comum recebermos pessoas para avaliação inicial que dizem não entenderem como chegaram ao peso que estão, pois não comem grandes quantidades para justificar o peso atual. Precisa-se entender que o balanço entre ingestão de calorias e consumo do corpo tem que ter equilíbrio e havendo descontrole nisso sempre será revertido em forma de gordura, e as pessoas levam meses ou anos para engordar e querem emagrecer rapidamente sem deixar de fazer o que sempre fizeram. É preciso que esteja claro a todos que, resultados diferentes dos atuais somente serão alcançados com mudanças de hábitos diários e para sempre.

Não se tratará de regime por seis meses ou por um ano, mas de mudanças de hábitos alimentares, familiares, de atividades físicas para toda a vida. Podem achar exagero o que está sendo dito aqui, mas afirmo dentro da nossa prática clínica que absolutamente tudo isso é dito aos pacientes na primeira avaliação para iniciar o processo e não é raro ver o paciente se levantar, se despedir e dizer: ‘isso não é pra mim!’.

É difícil às pessoas entenderem que a maioria delas possui graus variados de compulsão alimentar que pode estar relacionado a diversos fatores psicológicos, onde a pessoa busca no alimento uma satisfação, uma compensação que não conseguiu com outras coisa em sua vida (isto é, distúrbios relacionados ao convívio famíliar, convívio matrimonial, convívio com filhos, relacionamentos profissionais e até com amigos ou convívio social). Se isso não estiver totalmente esclarecido e resolvido antes da cirurgia, poderá levar ao aumento significativo do índice de insucessos da cirurgia pela busca em outra coisa para alcançar a satisfação que o alimento proporciona, e após a cirurgia isso não será mais possível. São descritos inúmeros casos em que a pessoa adquire ou troca para outras compulsões, mudanças de humor, até mesmo tentativas de suicídio.

Você pode pensar que a avaliação psicológica é um problema e este processo pode fazer você não chegar a cirurgia, mas esse não é o ponto central da questão. Fato é que toda a avaliação é motivada a fazer com que você efetue a cirurgia totalmente consciente de todos os fatores que a envolvem, dos quais geralmente estão relacionados aos traumas psicologicos que te levaram a chegar a obesidade mórbida. Ou seja, tudo o que influenciou no seu atual cenário precisa ser reavaliado e muito bem considerado, para que então seja possível conduzir esse processo a longo prazo com tranquilidade a fim de obter um bom resultado, inclusive trazendo a sua família para participar das reuniões, consultas e avaliações.

Você deve concordar que, para obter um bom resultado após a cirurgia, não seria admissível estar nos primeiros dias de recuperação pós operatória comendo sua dieta prescrita (sopas, caldos, etc.) e seus familiares estarem a seu lado comendo uma pizza e pudim de leite. Por isso, a família também precisa participar e, quem sabe, até mesmo emagrecer junto com você. Afinal, é muito raro apenas uma pessoa da família ser obesa. Então, também pode seguir a pergunta: a obesidade é genética? Até existe um certo fator genétco que pode interferir, mas não podemos culpá-lo. O seu filho é obeso, assim como você, porque come as mesmas coisas que você.

A cirurgia bariátrica não pode ser encarada como uma cirurgia simples; trata-se de uma cirurgia de grande porte, com riscos de mortalidade e morbidade. Complicações sabidas e de risco devem ser discutidas com todo o cuidado com seu médico antes da indicação da cirurgia. É preciso entender que o grau de obesidade interfere em seu organismo como um todo fazendo com que a possibilidade de infecções cirúrgicas, deficiências de cicatrização de feridas, embolias e tromboses, entre outras, sejam maiores do que em pessoas não obesas. 

Por isso, dentro da avaliação multiprofissional, fazemos uma avaliação completa sobre todo o seu estado mental, emocional e físico para definir todos os cuidados necessários e riscos para que possamos esclarecê-los no pré-operatório e reduzir ao máximo quaisquer perigos desnecessários, até mesmo postergando a data de realização da cirurgia caso venha a ser necessário. 

Outro fator importante é entender sobre a perda de peso na fase pré-operatória. Entenda que toda perda de peso entre a primeira avaliação e a cirurgia será importante fator de diminuição de riscos da cirurgia. Existe uma gordura que chamamos de gordura visceral que varia muito de pessoa para pessoa e é um dos maiores fatores dificultadores para a realização da cirurgia, reduzindo drasticamente com a perda de peso inicial ajudando muito na realização da cirurgia e no resultado final. Para isso, a psicóloga e nutricionista lhe auxiliarão muito e no caso de haver algum distúrbio associado ou até se for o seu caso a presença de superobesidade, talvez necessitando de outros auxílios pré-operatórios para propiciar a perda de peso necessária.

Outro fator importante a ser esclarecido é que o processo não se acaba na cirurgia. A perda de peso ocorrerá pelos próximos doze a dezoito meses, mas o acompanhamento é para o resto da vida. Consultas periódicas com o médico cirurgião e outros profissionais serão necessárias, uso de suplementação vitamínica também será para toda a vida, e você deve estar ciente que complicações podem aparecer mesmo após cinco ou dez anos da cirurgia. Uma pessoa normal, sem ter nenhuma patologia, não precisa fazer exames periodicamente? Imagine, então, após uma cirurgia cujo metabolismo e absorção de nutrientes estarão alterados para toda a vida! Estes exames de rotina são ainda mais importantes.

Dentro da avaliação multiprofissional, um fator muito importante é o convívio com outros pacientes de pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica, onde você poderá ver que não é o único nem uma exceção; existem outros e você pode compartilhar suas dificuldades, ter auxílio, observar resultados, dificuldades de  quem já fez ou está passando pelo processo e como fizeram para ‘sobreviver’ a tudo isso. Fazemos reuniões rotineiramente com diversos temas relacionados à obesidade e cirurgia, desde que cada um se sinta à vontade, com depoimentos de pessoas que estão presentes para estimular outros a participarem. Por isso, também é fundamental que os familiares participem destes movimentos. Você se sentiria ótimo em ouvir um depoimento de alguém que realizou uma cirurgia há cinco anos, contando tudo que passou, como está hoje, sendo possível ver a sua satisfação ou não, e entender como chegou naquele momento e o porquê de se sentir de tal maneira.

Para finalizar, participe de grupos em redes sociais, converse com pessoas que fizeram a cirurgia, pesquise sobre a cirurgia e a obesidade, anote as dúvidas e leve para seu médico, converse, discuta com familiares, veja opções. Mas, principalmente, entenda que quem indica a cirurgia é você! O médico pode até te orientar sobre as opções, mas você é o responsável pela decisão final e terá obrigatoriamente de ter o apoio de sua família para assinar junto com você e seu médico o termo de consentimento informado para a cirurgia, sem o qual a cirurgia não pode ocorrer.

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