Existe futuro no passado?

Por Débora Nascimento

Você já se surpreendeu pensando em algo que te fez sofrer? Em um mundo onde o caos existencial assola as diversas dimensões do existir humano, quem nunca navegou nas ondas dos acontecimentos sofríveis? Se você nunca se viu nessa situação, meus sinceros parabéns pelas excelentes estratégias de superações.

Recentemente estive refletindo sobre uma declaração de Peter Levine, psicólogo norte-americano, cujo “‘orgulho de sobrevivente’ é uma indicação do que um funcionamento saudável está tentando se afirmar”. Isso é uma potente verdade, pois somos seres capazes e com modos de funcionamento adaptáveis. E essa mobilização natural saudável pode ser produto de treinos, aprendizagens e metamorfoses.

Um futuro será inalcançável caso uma memória retenha vivências negativas que dominem o presente. Uma mente com experiências processadas ao nível de representações traumáticas pode apresentar ao sujeito uma percepção de mundo hostil e ameaçador. Abusos, violências e perturbações, por exemplo, podem fomentar ciclos viciosos. 

Peres, psicólogo e neurocientista, afirmou que tudo aquilo que acontece dentro de nós cria aquilo que acontece fora de nós. Ou seja, nossas experiências subjetivas podem uma dimensão perceptiva bem intimista do mundo exterior, onde pensamentos, sentimentos e ações passam a ser vivenciados pelas marcas codificadas como verdadeiras.

Mas como ser produtivo e criativo, feliz e virtuoso se o ser estiver infectado   pelas mazelas prisioneiras da dor e dos desalentos? Em seus estudos, Bergr (1963) conta que “o passado é maleável e flexível, [e] se modifica com novas interpretações das recordações e explicações do que ocorreu”. Assim, tudo depende de como o se aspira lidar com o passado. Um trabalho pessoal propicia modos de perceber episódios atribuindo compreensões e interpretações reelaboradas.

Cada indivíduo dotado de potencialidades inatas ou adquiridas fortalecidas por seus dons, habilidade, talentos e visões de conquistas e sucessos pode mergulhar numa visualização de ultrapassagem. Forças individuais e coletivas emergem quando novas percepções de si, do outro e do mundo aflora de um cérebro cuidado, e uma mente criativa e encorajada caminha em direção às autodescobertas, exercitando-se a elevação de sua autoestima. Esta jornada pode desvendar mistérios e engajamentos onde o ‘eu’ entra em conexões com outros ‘eus’, produzindo resultados edificantes. 

Uma mente traumatizada é dirigida aos ditames irreais do mundo interno e externo que incutem fragilidade, culpa, medo, desprezo e autossabotagem ao sujeito, mas um coração despertado ao desejo de liberdade e bem-estar é resultado de uma mente iluminada pelos raios de luz onde a sombra é anulada. Desse modo, a psicoterapia EMDR (Eye Movement Dessensitization and Reprocessing, que em português significa Dessensibilização e Reprocessamento através do Movimento dos Olhos) pode ser uma alternativa para o sujeito  ser curado de seus traumas e dores do passado. Este método é capaz de dessensibilizar e reprocessar lembranças dolorosas mediante movimentos oculares onde imagens, pensamentos, sentimentos e emoções doloridas de conteúdos aprisionados na mente, no cérebro e no corpo são eliminados, propiciando uma forma nova de funcionalidade e adaptação saudável.

O desejo de liberdade pode denotar coragem a um querer revisitar o trauma, exigindo um confronto entre o eu presente e o eu passado. Essa  percepção  poderá buscar significado nestas duas dimensões temporais, onde ‘eu  fui’ e ‘eu sou’ se fundam, rasgando a dor, a vitimização, o peso e as mentiras. É nesse momento quando ocorrem os desbloqueios, internalizando crenças positivas e desvendando a essência do mais profundo ser merecedor de luz, paz, vida e prosperidade. Os sonhos e idealizações então se vestem e revestem de possíveis concretudes. 

A EMDR, por meio da sua execução singular no cérebro, desempenha uma variedade de transformações eletroquímicas cujos conteúdos rememoráveis são experienciados, interpretados e ressignificados, e a memória dolorosa cede espaço à memória adaptativa saudável de longo prazo. Em outras palavras, o passado perturbador retorna ao passado sem perturbação, e o presente é concedido de esperança.

REFERÊNCIAS:

BERGER, P. L. Invitation to sociology: a humanistic perspective. New York: Anchor, 1963.

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