Burnout e traumas psicológicos: a conexão entre o estresse crônico e a saúde mental

Por Michele Beckert

Na sociedade moderna, o trabalho é visto como um meio de suprir as necessidades básicas, mas também é uma forma de buscar e consolidar um propósito maior. É inevitável dizer que essa nova maneira de pensar traz distintas consequências. A Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um dos distúrbios emocionais ligados ao trabalho e a sua principal característica é o estado de tensão emocional e estresse crônicos provocados por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes. Todas essas questões levam a um estado de sobrecarga no sistema psiconeuroendócrino e imunológico.

O estresse crônico que ocorre com as pessoas que sofrem de esgotamento aciona os mesmos mecanismos ocorridos em traumas psicológicos. Sabe-se que um evento potencialmente estressor é sentido como um perigo pelo sistema nervoso. O cérebro, por exemplo, não consegue diferenciar se estamos diante de um leão ou da ameaça de um chefe. Logo, se “prepara” para lutar ou fugir, descarregando uma cascata de hormônios. Nós, bem como os animais, somos preparados para ativar e desativar esse mecanismo ao identificar estarmos em segurança. Contudo, nossa capacidade humana de antever situações nos faz registrar essas memórias e usá-las para nos proteger futuramente. Então, o sistema fica ativado, ou em stand by, e quando essa condição ocorre de maneira contínua, torna-se crônica. Hormônios, como o cortisol, não conseguem manter-se nos níveis adequados e um quadro de exaustão emocional se instala.

Sintomas como fadiga extrema, falta de energia e esgotamento, como se a fonte de energia esgotasse, se desconectasse da tomada sem que fosse possível tornar a inseri-la na tomada. Neste caso, seria necessário um reparo dos danos causados por ter ficado sem energia. Outro sintoma comum é o distanciamento afetivo, ou seja, o desenvolvimento de atitudes cínicas, negativas e distantes em relação ao trabalho e às pessoas ao redor. Normalmente o rendimento do trabalho também diminui, e aí começam a surgir sensações de ineficiência e falta de sentido no trabalho, além de medo e culpa.

Os traumas psicológicos ocorrem quando uma experiência avassaladora (ou sentida desta forma) desafia a capacidade de enfrentar a situação. As situações de estresse percebidas no trabalho podem ser unicamente responsáveis pelo processo de traumatização ou aliar-se a traumas passados que emergem e paralisam o indivíduo, o que chamamos de trauma complexo.

Os efeitos do trauma variam de pessoa para pessoa, mas podem incluir Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), ansiedade, depressão e dissociação, uma forma de desconexão ou afastamento da consciência. O impacto pode ser agravado quando a resposta do sistema nervoso não encontra uma solução adequada. Assim, o burnout crônico pode fazer com que o indivíduo oscile entre os estados de luta, fuga ou congelamento, enquanto traumas psicológicos podem prender a pessoa em estados de hiperativação ou dissociação, o que explica o porquê de pessoas com burnout grave muitas vezes apresentarem sintomas semelhantes aos de TEPT.

A abordagem para a recuperação de burnout e traumas deve ser integrativa, levando em conta a regulação do sistema nervoso e o restabelecimento da sensação de segurança. Algumas estratégias incluem terapias baseadas no corpo, como EMDR, Brainspotting e Somatic Experiencing, que ajudam a liberar a carga traumática do sistema nervoso. A regulação do sistema nervoso, por meio de técnicas de respiração, Mindfulness e exercícios físicos; o apoio social e segurança relacional, fundamentais para ativar o sistema ventrovagal e restaurar o bem-estar; e mudanças organizacionais para reduzir fatores de estresse e prevenir o desenvolvimento de burnout também são opções importantes.

O burnout e os traumas psicológicos compartilham raízes comuns no estresse crônico e na resposta do sistema nervoso autônomo. A compreensão desses mecanismos, com base na teoria polivagal, permite desenvolver estratégias mais eficazes para a prevenção e recuperação. E a promoção de um ambiente seguro e acolhedor, tanto no trabalho quanto na vida pessoal, é essencial para restaurar a saúde mental e emocional.

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