Por Rosane Klein
Essa expressão tem me acompanhado nos últimos dias ao atender minhas pacientes. Chegamos aqui com uma receita genética, onde Aa e Aa podem resultar em olhos claros ou castanhos, a depender da combinação. Viemos com um corpo repleto de marcas da nossa genealogia, de nossos ancestrais. As famílias de pai e mãe estão tatuadas no organismo, queiramos ou não. E aí, nesse organismo, onde não exatamente começa, mas continua uma história, a nossa. A vivência na rede familiar vai formando camadas no corpo e na alma. Camadas? Sim, feito cebola, camadas de memórias armazenadas. E, entre estas camadas, se encontram os traumas.
Imagine um corpo como uma cebola, onde uma camada está sobreposta a outra. Ou uma folha de papel que vai sendo amassada ao longo dos anos. Quando trabalho o corpo propriamente de alguém através do Método Rolf, o processo assemelha-se ao descascar de uma cebola, soltando tais camadas, desamassando a folha que me é apresentada, ali, na maca. O paciente vem normalmente com uma queixa de dor no corpo. E essas três mulheres, em especial, não tinham nenhuma dor localizada. Fizeram a sessão no corpo por estar com dor na alma, mas acabaram por também escolher e permitir o trabalho corporal. Foi aí que, na primeira sessão delas, pude sentir o quanto havia uma inconsciência da dor.
Confesso ter sido assustador. Pude sentir na minha mão um corpo anestesiado por sucessivas dores, por sucessivos traumas, que chamamos de traumas complexos. Era impossível, como se podia perceber na sua fáscia e musculatura, através da pele, por onde se tem o acesso, que aquele ser, parecendo alguém assustado, não estivesse sentindo muita dor no corpo. Comparo ao sentimento do medo. Ele protege as pessoas de não atravessar uma rua sem olhar para os lados porque é perigoso.
Então o medo, numa certa dose, é extremamente importante. Assim, a dor no corpo protege a pessoa de não continuar passando pela situação estressante ou traumática, pede uma ação. O trauma pode ser físico, um acidente ou quase acidente, por exemplo. Pode evitar, prevenir-se de passar por algo mais grave. E se passar, pode cuidar, tratar. Agora, quando é emocional, muitas vezes é passado por cima e só em outro momento resulta a dor, e já não identificamos a causa real e nem a conexão de causa e efeito acontece. Quero aqui me referir a uma somatória de dores. O indivíduo sente uma dor, dezenas, ou centenas de dores por inúmeros pequenos e/ou grandes traumas. Este corpo ultrapassa o limite do sentir, da percepção e a vida segue com um ‘deixa para lá’, ‘a vida é assim mesmo’, ‘isso não vai mudar’, ou ainda uma doença. Assim como alguém que se diz forte para bebida ou forte para dor, vai um sinal amarelo de alerta: a tolerância já foi desenvolvida.
Mas, o que essas mulheres têm em comum? Os traumas complexos. Pais, homens, alcoolistas e apresentando esquizofrenia (descoberta ou entendida mais tarde), com os filhos criados. A estrutura familiar complexa tem como consequência filhos, no caso, filhas que passaram ou ainda passam por relacionamentos complexos, difíceis e traumáticos. A repetição acontece na outra geração.
Então, fica o alerta super amarelo: peça ajuda, peça socorro antes de chegar numa anestesia quase geral. Lembrando que esta, quando é dada na coluna, vai direto ao sistema nervoso central, se espalha por todo o corpo ou por boa parte dele. Pronto, está eliminada a dor por um período, mas retorna quando falamos de uma pessoa sem a tolerância desenvolvida por excesso de dores.
Portanto, escute seu corpo, suas dores são um pedido de socorro, de ajuda. Olhe a dor como uma tecnologia de comunicação do corpo, falando: ‘olha para mim, por favor, faça algo’. O bebê, quando sente desconforto, chora. O adulto, quando chora, pede desculpas porque chorou; só isso já daria outro artigo. Por isso, tenha consciência das próprias dores para agir. Não permita chegar a inconsciência da dor. Desse lugar, dá muito trabalho para fazer o caminho de volta.