Trauma infantil: o começo de tudo

Por Celso Paulo Martins

Durante boa parte do século XX, crianças eram tratadas como ‘adultos em miniatura’, fazendo parte da força de trabalho para auxiliar no sustento das famílias. Essa visão distorcida surtiu efeitos devastadores nos infantes, criando desconexão e traumas que desencadearam adoecimentos vitalícios. Inúmeros estudos alteraram tais conceitos, mostrando que as fases iniciais do desenvolvimento são cruciais para um ser humano se tornar plenamente saudável. Entretanto, grande parte dos cuidadores desconhecem as necessidades de vinculação infantil, acreditam que choro é manha e, se deixados a chorar, se acalmarão sozinhos.

Embora seja uma prática ensinada para não criar dependência, são o abandono e a negligência que causarão os maiores danos emocionais. Isso cria um estresse desnecessário e a percepção de que o mundo é um lugar inseguro para se viver. E, particularmente, tenho o palpite de que o autismo pode aparecer em casos extremos: uma tentativa de se proteger do sofrimento exterior isolando-se no mundo interno.

Pela imaturidade do sistema nervoso, principalmente nos três primeiros anos de vida, as crianças são muito vulneráveis ao estresse. Foi uma escolha da natureza porque, para se equiparar aos demais mamíferos, deveríamos nascer após dois anos de gestação, algo simplesmente impraticável do ponto de vista biológico. Dessa forma, a vinculação parental se tornou imprescindível à saúde física e emocional dos rebentos. A vulnerabilidade na primeira infância favorece o aparecimento de traumas pela submissão ao estresse contínuo ou reincidente por negligências, abandono, abusos físicos e/ou morais, justamente daqueles que deveriam garantir a segurança e proteção. É um dado estatístico relevante que, no seio familiar, ocorrem as marcas para toda a vida.

O que mais contribui para a segurança e autonomia é a percepção do afeto, da atenção e do reconhecimento das necessidades. A falta desse olhar interessado gera insegurança, retraimento e angústia existencial. Isso se mostrará brevemente nos  comportamentos ansiogênicos para chamar a atenção, dificuldade de socialização e aprendizado, entre outros sintomas. E, na sequência, poderá vir a depressão pela exaustão de tentativas.

Nosso sistema nervoso nunca dorme e se atualiza constantemente. Tudo o que vivenciamos, como sentimos, absolutamente tudo fica registrado e será utilizado no futuro como filtro para separar nossa percepção do que é agradável e prazeroso do que é aversivo e arriscado. Isso fará com que nossa curiosidade inata e a vontade de experimentar o mundo se reduzam pelo medo do perigo.

Como mamíferos, nos regulamos na presença do outro. Portanto, na fase infantil, as atividades entre crianças de idades próximas propiciarão a corregulação emocional pelo brincar, que é a forma de como os pequenos lidam com o estresse pela fantasia que, estimulada positivamente, fomentará a colaboratividade e desenvolverá a espontaneidade. 

Se houve traumas, é importante buscar auxílio profissional. Caso contrário, podem se transformar em distúrbios emocionais que afetarão o desenvolvimento globalmente, constituindo um indivíduo desajustado, talvez um futuro paciente psiquiátrico. As terapias mais indicadas para dissolver as sequelas estressoras são as de base somática, que atuam na fisiologia e memórias dos eventos que as causaram. Dificilmente apenas a escuta lúdica terapêutica produzirá os efeitos desejados com a mesma brevidade.

No podcast abaixo, você entenderá um pouco mais sobre o sofrimento infantil e a formação dos traumas psicológicos. Confira!

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