Fomos pegos no flagra! E agora? Traumatizamos nosso filho?

Por Ceres Canali

Comumente recebo pais aflitos com essa pergunta e sempre respondo da mesma forma: tudo dependerá de como vocês lidarão com a situação. Vejamos: se a sexualidade é o reduto mais bem protegido dos indivíduos e ser descobertos nos seus segredos de alcova causa-lhes um terrível mal-estar. Precisamos que esta área seja resguardada por ser ali que se exprimem as fantasias sexuais de cada um, o íntimo da privacidade, e nenhum adulto está disposto a mostrar-se aos filhos. Note bem que não estamos falando da parafilia do exibicionismo ou voyeurismo, em que ambos desejam ser vistos pelos outros. Falamos aqui do adulto adequado, não exibicionista, não voyeurista.

É sabido também que nenhum filho está preparado para pegar os pais no flagra numa transa, seja criança, seja adulto. Inicialmente, proponho pensarmos no que isso significa: que seu filho estava no lugar errado vendo ou ouvindo algo que não lhe pertence. A vida íntima e sexual dos pais não deve ser do conhecimento dos filhos, o que lhes causa um extremo mal-estar, vergonha, nojo e repulsa.

Por óbvio, é responsabilidade dos pais afastarem o filho disto, trancando a porta do quarto e se resguardando. Mas, imagine que foram surpreendidos, pois o filho chegou mais cedo que era previsto ou, se pensarmos em uma família que não tem quartos separados ou quartos sem um isolamento acústico, isso passa a acontecer com muita frequência.

Conforme os autores Nunes e Silva (2000, p. 51), o desenvolvimento da sexualidade infantil depende muito da orientação que a mesma receberá acerca da sua própria sexualidade. Afirmam que a sexualidade tem uma participação relevante no desenvolvimento de cada um de nós, assim citam: 

quanto ao desenvolvimento da sexualidade infantil, estamos fazendo muito pouco para que, pelo menos, a criança aprenda a ter e assumir seu próprio corpo. O corpo, que é ela própria, constitui seu ser, que vai vivenciá-lo pelo resto da vida, que deverá ser um instrumento de trabalho e prazer […].

Os autores, acentuam que as respostas sobre a sexualidade ensinam a criança a lidar com seu corpo, pois o corpo é permeado de sensações advindas da sexualidade. Faz-se importante distinguir que, ao citar o termo sexualidade, falamos da expressão do corpo, dos gestos e do olhar, e, ao tratarmos de sexo, falamos dos genitais. Então, sim, passamos a vida lidando com a sexualidade. 

A criança nasce sem saber da sexualidade, apenas a sente, e precisa do adulto para ser seu intérprete nestas sensações e que lhe explique, traduzindo o que tudo significa. Esta é a nobre função dos pais frente à curiosidade infantil.

Ainda citando Nunes e Silva (2000), quando a curiosidade infantil não é satisfeita, pode se tornar ansiedade e desencadear até um distúrbio na personalidade. Por isso, é recomendado que a curiosidade da criança seja satisfeita respeitando, certamente, seus limites de entendimento e esclarecendo somente sua pergunta de maneira simples, sincera e objetiva, de forma que novas dúvidas não sejam geradas a partir da resposta, resultando assim em patologias e neuroses na fase adulta.

Observo que a clareza dos pais, dos educadores e dos adultos frente aos temas da sexualidade preparam a criança para passar pelas fases da descoberta sexual e descobertas do corpo com facilidade e naturalidade. Algumas reflexões e orientações  importantes a serem trabalhadas diante de um flagrante é dizer sempre a verdade, considerando a idade do seu filho para avaliar como falará sobre a situação. Se for muito jovem, criança, uma explicação simples que satisfaça sua curiosidade é suficiente. Mas, se for mais velho ou adolescente, seja franco; é melhor que saiba sobre sexo em casa e pelos pais do que na rua, de modo grosseiro ou equivocado.

Se seu filho é uma criança com até cinco anos, você deve parar tudo o que estiver fazendo e dar-lhe atenção. Caso pergunte o que estava acontecendo, devolva-lhe a pergunta: o que você acha que estava acontecendo com o papai e a mamãe? E assim, baseado na resposta que lhe fornecer, corrija o que for necessário. Crianças até essa idade não têm noção do que é uma relação sexual e podem entender que o que houve foi um ato agressivo, pois ‘ela estava gemendo, então ele estava machucando’, ‘ele pulava em cima dela’ e até mesmo ‘ele batia nela’.

O olhar infantil pode facilmente associar o sexo à maldade, dor, ao sofrimento, que mulheres sofrem e homens são agressivos; por essa razão, é mais indicado perguntar o que entendeu daquilo que viu. Em seguida, corrija, diga estarem namorando como os adultos namoram, pelados e juntos, e que estava tudo bem, não havia nada com o que pudesse se preocupar.

Se for uma criança com seis anos ou mais, você pode pedir desculpas por não trancar a porta, que estavam namorando como adultos namoram. Pergunte-lhe se está tudo bem, o que quer saber a mais sobre o que viu e, caso queira perguntar em outro momento, também pode. Caso seja um pré-adolescente, siga o passo anterior e acrescente informações.

Você pode falar também que existe muito amor entre você e seu(ua) companheiro(a), e o que viu também é uma forma de carinho que deve ser feito com maturidade e respeito, não inconsequentemente. O importante é não passar a ideia de que a criança fez algo errado, nem adianta gritar, ameaçar ou bater, pois ela somente se assustará e poderá passar a relacionar o sexo a coisas ruins, proibidas e até mesmo gerar um bloqueio. Mas certifique-se sempre da porta esteja trancada. Ainda que as crianças perguntem do lado de fora o que vocês estão fazendo, evite a situação constrangedora de ser pego em flagrante na sua intimidade.

Sabe-se que o desconforto pode ser clareado e contornado, e talvez permaneça um incômodo sempre que a lembrança for acessada. Mas, como muitos perguntam na clínica, isso irá traumatizá-lo? Isoladamente, esse fato, se bem conduzido, não o traumatizará, pois o trauma se estabelece em situações de maior amplitude e intensidade emocional.

Como demonstrado até aqui, a sexualidade infantil influi diretamente na vida sexual adulta e deve ser tratada com a devida importância ao invés de evitá-la e não respondê-la diante da dificuldade. Ao contrário do que muitos pensam, este, sem dúvidas, é o posicionamento mais equivocado que os adultos cometem em relação à sexualidade e a criança, principalmente por achar que não causará ou se tratar de um evento sem importância e/ou desnecessário.

 

REFERÊNCIAS:


NUNES, C.; SILVA, E. A educação sexual da criança. Campinas: Autores Associados, 2000.

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