Por Valmir Uhrein
Comecei a ler seriamente a partir do início do segundo grau, hoje chamado de ensino médio. Depois disso, os livros passaram a me fazer companhia, e alguns foram capazes de produzir encontros inesquecíveis e verdadeiros. Encontros inesquecíveis e verdadeiros são aqueles que considero que deixaram uma marca, ou seja, foram capazes de produzir memórias e inscrições suficientes para mudar a direção de uma vida.
Se o encontro é algo que muda a direção, reorienta; se o encontro é um acontecimento que dá sentido à vida, abrindo-a para uma nova imagem do mundo, então um livro, sem dúvida, pode ser um encontro. É um encontro que atravessa o fluxo normal do tempo. Depois desse encontro, o olhar de quem escreveu e da pessoa que o lê não são mais os mesmos. Nesse sentido, todo encontro verdadeiro – como acontece com um livro – introduz uma divisão que separa um antes de um depois. O texto escrito não pertence mais a quem o escreveu, pertence a quem o lê. Do mesmo modo, se dá com a música. Quando um músico compõe uma música, ele pode perguntar: Vocês gostaram da minha música? Essa resposta só será possível quando a música for ouvida. Quando a música é ouvida, ela não pertence mais a quem a compôs, mas a quem a ouve. Sim, eu gostei do seu livro e da sua música. Isso significa que agora ela não é só minha, mas sua também.
Se um livro pode ser um divisor de águas no arco da existência, mais pessoas estabeleceram essa relação. Temos exemplos sensacionais e conhecidos. São Francisco se apropria de uma versão vernacular dos Evangelhos e sua vida, a partir daquele momento, muda para sempre. O encontro de Lacan com o texto de Freud foi decisivo para reorientar a brilhante carreira de um jovem psiquiatra para a Psicanálise. Para Beckett, a leitura de Joyce e Proust influenciou toda a sua forma de compreender e praticar a literatura. Para o jovem Nietzsche, o mundo de Schopenhauer como vontade e representação era uma porta extraordinária que se abria para um universo diferente daquele esgotado da filologia clássica. Sartre relata o encontro com Husserl e Heidegger como uma virada traumática e irreversível em sua jornada filosófica.
Como todo amor tem a natureza do corte, o encontro com um livro é um encontro de amor: nada mais será como antes. Nossos livros falam da nossa história, são a nossa língua, recolhem não só as palavras de quem as escreveu, mas também o momento envolvente da nossa leitura.