Por Celso Paulo Martins
O senso comum crê que trauma é uma catástrofe natural, um acidente, ou atos de violência. Sim, há chances de serem traumáticos, dependendo do histórico de quem passa por eles. Porém, de fato, o trauma é definido como uma lesão psíquica ou emocional que restou após a exposição ao episódio.
Trauma antes de tudo, é uma reação natural do organismo a algo anormal, imprevisto, e que chegou de forma abrupta e com tanta intensidade que o sistema nervoso não foi capaz de processar. E como uma ferida aberta e não cicatrizada, é dolorida e defendida por seu portador contra quem venha a tocá-la de modo desconfortável.
Também pode cicatrizar tornando-se insensível, porque lhe faltam terminações nervosas, semelhante àquela casquinha de coagulação que se forma sobre um corte. Porém, carrega em si a possibilidade de ser curada, não importa quanto tempo haja decorrido. Diferente do que seria se o trauma fosse o evento. Irreparável.
Numa mesma pessoa, existem as duas possibilidades: restar algo muito sensível, insuportável de ser tocado devido a dor, ou criar insensibilidade pela desconexão para não sentir. O psicotrauma pode ocorrer em qualquer idade, mas há fases cruciais em que se torna mais severo. Vamos explicar melhor pelo exemplo da infância, onde geralmente tudo começa para depois se agravar.
Crianças com dois a três anos são impotentes para fugir ou lutar contra acidentes ou maus-tratos, então a desconexão com o corpo é sua única saída para sobreviver. Embora essa dissociação com a vida cause muitos problemas ao seu desenvolvimento, inclusive cerebral, a reconexão será sempre possível enquanto estiver vivo.
Esses traumas precoces pertencem a dois grupos: os de grande monta (T), proporcionados pelo abuso sexual, físico ou emocional, perda parental ou de território, ambiente familiar violento, genitores com doenças mentais, drogados, ou presos, negligência, dentre tantos outros; e aqueles a que não se atribui tanta gravidade (t), instalados ao não se propiciar à criança a atenção às suas necessidades emocionais básicas, de ser aceita, vista e ouvida. Estes, infelizmente, são muito comuns na sociedade em qualquer classe econômica.
Os pais podem amar muito a seu filho, mas ao priorizarem outros compromissos, ou pelos seus próprios traumas ou estresse, colocam as crianças em estado de desamparo, que é igualmente traumático. Manuais ainda seguidos como “A encantadora de bebês”, ensinam que se deve deixar o bebê sozinho para dormir, mesmo que ele grite e chore muito. Ele vai se acostumar e aprender sozinho. Porém, vai aprender que não pode contar com ninguém e que não tem valor ou lugar ali. Longe de ser birra ou mal comportamento, está pedindo amparo para o que não dá conta de lidar sozinho.
Se não for atendido nessa necessidade fundamental de segurança e amor, irá aprender a não confiar, a se fechar para não sentir a dor emocional que lhe parece insuportável. O que conta é como ele sente e interpreta o que lhe acontece, independente da intenção do responsável, sente-se abandonado, e um bebê poderá até morrer se for privado de contato físico com alguém que se importe com ele.