Como é a leitura de manejo dos sentimentos na ótica da análise psicodramática? 

Por Simone Souza

Emoções surgem de experiências e viver por si só já é uma experiência. Enfrentamos momentos felizes, tristes, inusitados, e tudo promove algo em nós. As situações da vida nos exigem uma resposta: nossos sentimentos, presentes em todo processo de psicoterapia.

Ao abordarmos o assunto de psicoterapia, estamos citando algum tipo de tratamento. E, quando abordamos o manejo dos sentimentos, estamos falando sobre tratamento de sentimentos. Segundo Dias (2015), embora façam parte inerente do ser humano e do psiquismo,  os sentimentos necessitam frequentemente de algum tipo de procedimento psicoterápico. Pois, seja pela ação da moral ou por estarem vinculados a psicodinâmicas patológicas, eles necessitam ser tratados.

Todos os sentimentos são ou foram importantes para a vivência e para a sobrevivência da nossa espécie. Portanto, entendemos que não existam sentimentos bons e sentimentos maus, mas sim, sentimentos mal administrados. Dessa forma, os sentimentos nunca são patológicos na sua essência. Eles podem ser encarados como patológicos quando: estão francamente em confronto com os valores morais de uma determinada sociedade, num determinado tempo; estão misturados com angústia patológica; ou estão vinculados a psicodinâmicas patológicas.

Assim sendo, na abordagem psicodramática, entendemos como moral o conjunto normativo variável segundo épocas e culturas, cujos últimos seis mil anos foi ditado basicamente pelas religiões. Com o advento do Deus único das religiões monoteístas em substituição aos inúmeros deuses das religiões panteístas, o código normativo moral também se tornou único. E esse código, dentre outras coisas, acabou por separar os sentimentos em bons e maus. Dessa forma, os sentimentos bons deveriam ser estimulados e considerados virtudes, ao passo que os sentimentos maus deveriam ser reprimidos e considerados pecados.

Essa estranha maneira de rotular os sentimentos acabou influenciando as pessoas, de tal maneira que ao emitir qualquer comportamento atrelado aos ditos sentimentos maus, a pessoa passa a se sentir indignada e culpada. Por isso, os sentimentos ganharam um valor moral e o valor essencial foi se perdendo do próprio sentimento humano. Esse rótulo moral, agregado ao sentimento, passou a definir e a qualificar o próprio sentimento, e perdeu-se a noção da função básica destes sentimentos na vivência e da sobrevivência da espécie humana.

Convém enfatizar que todos os sentimentos são humanos e têm sua função na vida das pessoas. O fundamental é que estes sentimentos, tanto os rotulados como bons quanto os rotulados como maus, devem ser adequadamente administrados. Todos os sentimentos, bons ou maus, que não forem bem administrados, podem ser prejudiciais à saúde da pessoa.

A seguir, alguns exemplos de sentimentos rotulados como maus e bons:

EGOÍSMO 

MESQUINHEZ/USURA

VINGANÇA

AMBIÇÃO

VAIDADE

INTERESSE

Valor moral: mau

Valor moral: 

mau

Valor moral: 

mau

Valor moral: 

mau

Valor moral: muitas vezes negativo

Valor moral: 

mau

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Sentimento de autoproteção.

Se o indivíduo não cuidar de seus próprios interesses, ele acaba sendo espoliado.

 

Sentimento de autoproteção. 

Se o indivíduo não cuidar de seus bens materiais e ter um controle sobre eles, acaba sendo espoliado.

Sentimento ligado ao respeito. 

Se o indivíduo não dá o troco quando é agredido, ele acaba sendo invadido e desrespeitado. “Só se respeita cachorro que morde.”

Sentimento ligado à busca pelo sucesso e de ser bem-sucedido na luta para conseguir seus objetivos; ter “garra” na vida.

Ligado à autoestima. 

É necessário se gostar e se admirar para se autovalorizar.

Ligado à capacidade política. 

A política é a arte de identificar e conjugar interesses. Para ser bem-sucedido, numa comunidade, é necessário ter capacidade política, traçar e escolher as alianças.

PREPOTÊNCIA

CIÚME

VERGONHA

COBIÇA

ADMIRAÇÃO

INVEJA

Valor moral: mau

Valor moral: mau

Valor moral: bom

Valor moral: mau

Valor moral: bom

Valor moral: mau

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Valor essencial

Sentimento ligado à liderança. 

O chefe, o líder, o rei, o presidente, precisam se impor para serem merecedores de crédito e para o exercício do poder.

 

Sentimento ligado a funções construtivas. É o zelo, o cuidado com os objetos e com as pessoas amadas. 

É o cuidado de manter e preservar as relações.  

Sentimento do pudor, é ligado à adequação social. 

Não fazer ou apresentar coisas que desabonem.

 

Sentimento ligado ao desejo de igualdade e de justiça. Quero ter o mesmo que o outro tem. 

Sentimento ligado ao aprendizado. O indivíduo quer copiar e imitar a quem ele admira. 

Sentimento ligado ao inconformismo com as discrepâncias e com as injustiças. A carga destrutiva da inveja é dirigida ao sentimento de alegria ou satisfação que o outro teria possuído algo ou algum tipo de privilégio que o invejoso não tem. 

Lembremos que quaisquer desses sentimentos, sejam bons ou sejam maus, não são patológicos pelo seu valor essencial. Ele pode se tornar patológico e necessitar de procedimento psicoterápico, uma vez que o conflito resultante entre o Valor Moral e o Valor Essencial não foi bem administrado.

Os sentimentos se tornam patológicos quando entram em conflito o seu Valor Moral com o seu Valor Essencial. Dessa forma, é fundamental para a saúde mental que a pessoa administre, utilizando o seu bom-senso e o seu senso de adequação, o conflito entre o Valor Moral e o Valor Essencial dos seus sentimentos e condutas a ele vinculadas.

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