Por Gabrielle E. R. Gomes
A infância é um período de descobertas e aprendizados que moldam a visão de mundo e as habilidades socioemocionais das crianças. No entanto, certos temas são considerados desafiadores para serem abordados nesse estágio do desenvolvimento, como a morte, a separação dos pais, bullying, preconceito, sexualidade e doenças. Pais, educadores e cuidadores frequentemente encontram dificuldades para tratar desses assuntos de maneira clara e acolhedora. Nesse contexto, a literatura infantil se apresenta como uma ferramenta poderosa para mediar conversas difíceis, oferecendo um espaço seguro para a reflexão, a empatia e o diálogo.
A literatura infantil vai muito além do entretenimento. Ao narrar histórias sobre desafios da vida real, ela proporciona às crianças um meio simbólico para compreender e elaborar emoções complexas. Segundo Bettelheim (1980), as histórias, especialmente os contos de fadas, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento emocional e cognitivo, pois oferecem metáforas que ajudam a criança a processar medos e inseguranças.
Vygotsky (1984) também destaca a importância da mediação no aprendizado, indicando que o contato com textos narrativos pode impulsionar o desenvolvimento da linguagem, do pensamento crítico e da empatia. A literatura funciona como uma ponte entre a experiência individual e a vivência coletiva, permitindo que a criança se identifique com personagens e situações fictícias, mas que refletem realidades concretas.
Dentre alguns benefícios da literatura para o diálogo sobre temas sensíveis podemos citar a identificação e a expressão emocional, a redução de estigmas, promoção de empatia, a criação de um ambiente seguro para o diálogo e a construção de estratégias de enfrentamento, dos quais serão exemplificados a seguir.
Ao ler histórias que abordam sentimentos de medo, tristeza, ansiedade ou dúvida, a criança reconhece essas emoções dentro de si e aprende formas saudáveis de lidar com elas. Um exemplo é o livro A árvore generosa, de Shel Silverstein, que traz reflexões sobre generosidade, perda e amadurecimento. Crianças que enfrentam situações de separação ou mudanças podem se enxergar nos personagens e se sentir menos sozinhas.
Quando a literatura apresenta personagens diversos, que vivenciam experiências desafiadoras, ela contribui para a quebra de preconceitos e para a normalização de temas que ainda são tabu na sociedade. Livros como O cabelo de Lelê, de Valéria Belém, ajudam a discutir questões raciais, enquanto Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, reforça a valorização da diversidade.
A literatura permite que crianças e adultos falem sobre temas difíceis sem a necessidade de exposição direta. Se um livro trata da morte de um animal de estimação ou de um ente querido, por exemplo, ele pode ser utilizado para iniciar uma conversa sobre perdas reais que a criança tenha vivenciado. Isso reduz a ansiedade e oferece um caminho mais confortável para a expressão dos sentimentos.
Lidar com mudanças pode ser um grande desafio para as crianças. Livros como O grande livro dos medos, de Emily Gravett, ajudam a criança a nomear suas inseguranças e a perceber que elas podem ser superadas. O mesmo acontece com histórias sobre bullying, como O patinho feio, de Hans Christian Andersen, que ensinam sobre resiliência e autoestima.
A escolha de um livro adequado deve levar em consideração a idade da criança, a complexidade do tema e a sensibilidade com que ele é abordado. Algumas diretrizes para selecionar leituras incluem uma linguagem acessível, clara e condizente com o nível de desenvolvimento da criança; deve oferecer um olhar empático sobre o tema, sem reforçar medos ou traumas; representatividade e um final aberto ou positivo. Muitas histórias sobre temas difíceis apresentam finais que deixam espaço para a criança refletir e encontrar suas próprias respostas, em vez de soluções definitivas. E livros que trazem personagens de diferentes contextos ajudam a criança a ampliar sua visão de mundo e a se sentir pertencente, reconfortada e representada.
A mediação é fundamental para que a leitura cumpra seu papel como ferramenta de diálogo. Algumas estratégias eficazes incluem ler junto, fazer perguntas, estimular a criança a comentar sobre a história, compartilhar suas percepções e relacionar com sua própria vida; repetir leituras, pois cada uma delas permite que compreendam aspectos diferentes do texto; ser um ouvinte ativo e deixar a criança expressar suas emoções sem interromper ou julgar suas respostas; e relacionar com a realidade caso a criança esteja passando por uma situação semelhante à do livro, oferecendo apoio e validando seus sentimentos.
Dentre alguns exemplos de livros para diferentes temas, podemos citar Para onde foi o vovô?, de Bruno Magina, e A onda, de Suzy Lee, a respeito de morte e luto; Dois lares, de Claire Masurel, sobre divórcio; O cabelo de Lelê, de Valéria Belém, e Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, sobre preconceito e diversidade; O coração e a garrafa, de Oliver Jeffers, sobre doença e hospitalização; e O grande livro dos medos, de Emily Gravett, sobre medo e ansiedade.
A literatura infantil desempenha um papel essencial no desenvolvimento emocional e social das crianças, funcionando como uma ponte segura para conversas difíceis. Ao permitir que a criança explore sentimentos e desafios de forma lúdica e simbólica, os livros ajudam a construir uma comunicação mais aberta e acolhedora entre adultos e crianças.
Pais e educadores que utilizam a literatura como ferramenta de mediação oferecem às crianças não apenas conhecimento, mas também segurança emocional para enfrentar as complexidades da vida. Escolher as histórias certas e conduzir o diálogo de forma respeitosa e empática pode transformar a leitura em uma experiência profundamente significativa e curativa. Dessa forma, ao invés de evitar temas difíceis, é possível utilizá-los como oportunidades de crescimento e aprendizado, criando laços mais fortes entre crianças e adultos por meio das histórias.
REFERÊNCIAS:
BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano. São Paulo: Paz e Terra, 1980.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto e Solange Castro Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1984.