O trauma do nascimento e o socorro materno

Por Valmir Uhrein

O nascimento de uma criança encerra um ciclo de espera, principalmente para a mãe. Ao ouvir relatos maternos, como acontece frequentemente com psicanalistas, é notável a expectativa ocupando um lugar central em suas falas. Mas a expectativa de uma mãe é diferente de qualquer outra: não é uma espera por algo, como um trem, um aniversário, um concerto ou um contrato. Antes de mais nada, a gestação trata de esperas e expectativas especiais: a vinda de uma criança à luz do mundo.

Esse é um momento muito profundo da maternidade e revela o nascimento como uma transcendência, impossível de antecipar, destinada a mudar a face da humanidade. O mesmo também ocorre com o amor, ao esperar, continuar a aguardar por quem sentimos falta e amamos, embora conheçamos bem seu corpo e seu nome. No amor, quem amamos preserva sempre uma dose inalcançável: é uma hiância, um pequeno a. No amor, bem como na maternidade, experimentamos uma imanência e uma transcendência unidas.

Em Inibições, sintomas e angustia (1926), Freud descreve o trauma do nascimento como o modelo da situação de angústia não só pela separação do bebê de seu objeto de amor, mas principalmente por se referir a uma angústia não inscrita no campo das representações. Isso significa que recém-nascidos, de modo geral, são biologicamente prematuros ao nascer; todos nascemos desamparados e, por isso, diferente de outros mamíferos, não conseguimos sobreviver sozinhos.

Deste modo, se a vida humana ganha vida, como explicam Freud e Lacan, em condição de fragmentação, desamparo, insuficiência, vulnerabilidade, como dar início a um movimento que retire o nascituro desta posição? Com a descrição freudiana do Outro materno como o primeiro ‘socorredor’ no primeiro momento de vida fora do útero, podemos traçar uma primeira definição de mãe como o Outro mais próximo que pode responder ao apelo da vida que clama, e introduzir uma estrutura que possa ser considerada a pré-história do sujeito.

Para isso, o nascituro requer as mãos do Outro, o olhar do Outro, a presença do Outro, o rosto do Outro, ou seja, a função materna. O rosto é a figura essencial da função materna. É através do rosto de sua mãe que o bebê pode olhar para si, operando como um primeiro espelho capaz de revelar o caráter irredutivelmente dialético do processo de humanização da vida. Através do rosto do Outro se encontra o próprio rosto e, pela presença do Outro, é possível constituir a vida. Esse é o grande ensinamento da dialética do senhor e do escravo de Hegel, que Lacan retoma a seu modo ilustrando como o desejo de ser reconhecido por outro desejo, um desejo de desejo, ou ainda um desejo pelo desejo do Outro. O rosto da mãe representa o momento principal de reconhecimento: ao explorá-lo, a criança experimenta e se encoraja a ver seu próprio rosto.

Se hoje a maternidade não coincide com a capacidade geradora ou com a própria experiência da gestação, atualmente, graças ao poder da ciência, estendeu-se a outras formas possíveis que independem do real do sexo. Eles nos lembram de uma função essencial da maternidade na qual nenhuma mudança histórica pode cancelar: a mãe é o nome do Outro que ampara, potencializa e inscreve um significante e um significado, ou seja, é o socorro necessário diante da condição pré-matura e traumática do nascimento.

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