Por Alana Águida Berti
A moça muito educada entrou no quarto, pediu licença e perguntou se podia fazer a limpeza, no que foi atendida. Iniciou seu trabalho, fez uma pequena pausa, olhou para os lados e desabafou: ‘eu termino todos os quartos até as seis da tarde. A outra menina não veio, estou sozinha. Faltei dois plantões porque estava doente e hoje, bem cedinho, ela perguntou se eu viria trabalhar. Respondi que sim. Então ela disse que não viria para eu ver como era bom trabalhar sozinha’.
Ela foi até o corredor pegar algum equipamento e voltou resmungando: ‘as enfermeiras só ficam sentadas…’. Contestei: para elas ficarem sentadas hoje, elas ficaram sentadas na escola. E ela retrucou: ‘mas eu estudei’. A moça, confirmando a minha atenção, continuou: ‘cursava enfermagem, parei porque faltou dinheiro e morava com minha vó, que morreu. Meus tios venderam tudo, tive que sair de casa’.
Eu, obviamente curiosa, perguntei: ‘e sua mãe?’. Afinal, a mãe dela também tinha direito à herança. Ela respondeu que não se davam bem, a mãe nunca gostou dela, provavelmente por conta do seu pai, que não sabia quem era. Apanhava muita, já havia passado fome, enquanto seu meio-irmão tinha de tudo. Ela realmente tinha ‘aprontado’ e feito ‘coisas ruins’ quando adolescente, segundo ela, incluindo sua sexualidade, mas isso foi importante para formar seu caráter. Hoje mora sozinha e trabalha desde os seus dezesseis anos de idade. Enquanto fazia ‘cara de paisagem’, senti que a moça precisava colocar para fora tantas situações, não importando o ouvinte.
Na sequência, contou que sempre pagou suas contas e sentia orgulho em manter seu filho, um menino de sete anos, muito educado e inteligente que só ia para a escola, ficava em casa assistindo a televisão e tratava todo mundo bem. Era a ‘coisa’ mais importante de sua vida, saía do sério se qualquer coisa que o envolvesse. Foi quando relatou a ocasião em que chegou mais cedo do trabalho e escutou uma vizinha falando de seu menino. Não deu outra: pegou a mulher pelos cabelos, batendo sua cabeça no muro. Quando voltou a si, seu rosto estava ensanguentado, mas nunca mais falou nada sobre a criança.
Tentando contemporizar (por que será essa mania?), disse que deveria pensar em seu filho e tentar se controlar, ao que ela, poderosa, disse pensar e relatou quando foi assaltada e retirou o revólver dos assaltantes, derrubando-o. Quando a polícia chegou e a perguntou como fez aquilo, surpreendidos principalmente pelo fato de ser uma moça magra e pequena, contou ser ‘faixa preta’ e saber se defender.
Disse ainda que sua sexualidade está resolvida e já avisou seu filho que mais tarde explicará porque ele teve duas mães e quem era o pai dele. E assim, tão breve como chegou, ela se foi.
Estando só novamente, refleti sobre tudo o que ouvi e tentei imaginar quantos traumas ali residem. O ser humano é de fato único; cada dia se revela surpreendente. Alguns inconscientemente precisam de atenção, nem que durante apenas alguns minutos ou de uma pessoa desconhecida. Mas será que o ouvinte realmente tem importância e é visível a quem fala?