Por Gabrielle E. R. Gomes
O baralho cigano (ou baralho de Lenormand) é uma ferramenta que ganhou popularidade na França durante o século XIX através de Marie-Anne-Adélaïde Lenormand, que o utilizava a fim de orientar figuras políticas e da alta sociedade. É composto por cartas bastante simples, com simbologias (como a Foice, o Trevo, o Rato e o Cão) que remetem a eventos, sentimentos, objetos, ao cotidiano e às pessoas, e com significados variáveis segundo posição e combinação entre si.
Além da capacidade de ‘prever o futuro’, possui uma dimensão arquetípica semelhante aos sonhos por acessar conteúdos do inconsciente individual e coletivo. Por isso, quando utilizadas para a orientação e o autoconhecimento, viabilizam a revelação de padrões comportamentais, memórias traumáticas e outros aspectos menos emergentes que ainda não foram completamente processados.
Essas feridas emocionais que ainda não foram devidamente tratadas refletem em padrões comportamentais repetitivos e uma série de sintomas como ansiedade, depressão, ataques de pânico, baixa autoestima ou dificuldade em estabelecer relações saudáveis. Tomando como exemplo um sujeito que sofreu rejeição severa na infância, é provável que desenvolva padrões de autossabotagem ao longo da juventude e vida adulta e continuamente recrie as dinâmicas de abandono que vivenciou no passado. Da mesma forma, alguém que sofreu situações abusivas na infância e adolescência pode acabar se envolvendo em novos relacionamentos abusivos devido ao seu condicionamento emocional inconsciente, o que enfatiza a dificuldade de romper padrões apenas com força de vontade, sendo indispensável o tratamento neuroterapêutico com um profissional habilitado.
Entretanto, há inúmeras ferramentas complementares às práticas terapêuticas convencionais que favorecem a emersão de questões incompreendidas (e até mesmo ainda desconhecidas) com leveza, ludicidade e profundidade. A meditação, a arteterapia, o sound healing, os baralhos terapêuticos, a técnica de escrita terapêutica e a terapia com mandalas, por exemplo, além da própria utilização de oráculos, são algumas dessas possibilidades. Isso ocorre pois revelam uma ‘fotografia’ do campo morfogenético do consulente, que projetam o inconsciente espelhando questões que não eram articuladas ou compreendidas claramente, permitindo a análise e orientação sem julgamentos de projetos de vida.
Assim, nos oráculos, cada leitura é um convite à reflexão sobre como nossas experiências passadas nos moldam continuamente. Se surge a carta da Serpente, indica a tendência a comportamentos destrutivos como ciúmes e/ou infidelidade. Em uma análise emocional, sugere algo mais profundo, como traumas relacionados à confiança e segurança emocional. Pressupondo que este mesmo consulente frequentemente veja a carta do Chicote nas leituras sobre seus relacionamentos, indica a existência de conflitos recorrentes ou autossabotagem cuja conscientização desse padrão é o primeiro passo para rompê-lo. Isso não significa que as cartas estão prevendo o futuro, mas elucidando a necessidade de reconhecer, refletir e o confrontar tais padrões emocionais profundamente enraizados, o que favorece a criação de novos comportamentos.
Considerando uma sessão em que o paciente expressa sentir-se ansioso sem entender a causa subjacente, o oráculo pode auxiliá-lo a identificar um tema recorrente em sua vida, como medo de rejeição (simbolizado pela carta do Coração machucado) ou constante a busca por segurança, estabilidade e zona de conforto (simbolizado pela Casa), seguido por sugestões práticas que favorecem a autocura. Cartas como o Sol ou a Árvore, por exemplo, frequentemente indicam desenvolvimento, renovação e cura, sugerindo que, embora o trauma esteja presente, há espaço para uma recuperação positiva. Essa orientação pode encorajar a busca por exercícios, comportamentos e falas saudáveis, que estimulem a mudança positiva que deseja para si. Vislumbrar tais sugestões refletidas nas cartas transmite maior validação e clareza sobre seus próximos passos em direção à busca do seu bem-estar.
Por fim, também é importante reconhecer que, como qualquer outra ferramenta, possui suas limitações. Embora seja um excelente meio para acessar conteúdos inconscientes e explorar padrões emocionais, não deve substituir tratamentos médicos ou psicológicos formais, especialmente em casos de traumas severos.