A jornada do Louco como metáfora para a experiência de traumas psicológicos

Por Gabrielle E. R. Gomes

Muito mais do que apenas um baralho de cartas místicas capazes de prever o futuro ou descobrir segredos em um relacionamento romântico, a prática de abrir as cartas do tarô (ou tarot) está relacionada ao autoconhecimento, com a busca por novas percepções sobre tudo que o(a) permeia e desenvolvimento pessoal. Trata-se de um sistema simbólico tão antigo quanto o tempo, existente há pelo menos seis séculos e cuja origem remete aos egípcios, embora incerta.

A primeira carta do baralho é a carta do Louco, a única que não possui número, razão pela qual é representada pelo número zero. É uma das mais intrigantes e simbolicamente ricas do baralho, ao apresentar um jovem alegre e despreocupado, muitas vezes trajando roupas coloridas e munido apenas de uma bolsa às costas em uma viagem ao mundo ainda desconhecido, prestes a despencar do precipício. Trata-se do arquétipo do iniciante, aquele que está pronto para enfrentar desafios, superar limitações e descobrir seu verdadeiro potencial, um convite para aventura, autoexploração e confiança no fluxo da vida. Na prática, a carta relembra a importância de manter o equilíbrio entre a coragem e a cautela, entre seguir seus sonhos e permanecer consciente das consequências de suas escolhas.

E é justamente no Louco que se inicia a jornada pelos arcanos maiores, na qual é frequentemente interpretada como uma metáfora às experiências humanas, do nascimento à morte, repleta de aventuras, desafios, aprendizados e transformações. Tratando-se de traumas, esse episódio também é uma representação do processo de enfrentamento e cura.

Muitos pacientes iniciam a psicoterapia com curiosidade, esperança, alguns (poucos) até mesmo entusiasmados, ansiando avançar rapidamente no seu processo terapêutico sem pensar muito sobre o que enfrentará a seguir. E, assim como na carta, é um momento de vulnerabilidade e abertura a novas experiências com defesas baixas e emoções à flor da pele, participativo e aberto ao processo terapêutico. No entanto, a descoberta e enfrentamento de traumas que por vezes nem sabia que possuía pode gerar dificuldades e barreiras como ansiedade, depressão e dificuldades nos relacionamentos.

Ao se aproximar do precipício, o Louco simboliza a necessidade de desapegar do passado e das amarras que o prendem, uma atitude que requer coragem para deixar para trás tudo aquilo que é conhecido e seguro, mas um tanto prejudicial, e se lançar em direção ao desconhecido, porém saudável. É quando a realidade do trauma se torna clara. De fato, esse processo é doloroso, desafiador e, por vezes, tentador a desistir e retroceder até a zona de (des)conforto previamente conhecida e relativamente segura, mas profundamente necessária. É como um arrancar do Band-aid para aplicar aquele medicamento que gera ardência e desconforto, mas que sabe ser importante para o seu bem-estar; é o confronto com a gravidade do que ocorreu.

Mas conforme o Louco supera as suas adversidades, aprende lições valiosas e amadurece, no processo terapêutico, o sujeito também aprende a lidar com suas emoções, desenvolve resiliência e descobre uma maior compreensão de si. Ele encontra guias e forma uma rede de apoio, pessoas com quem podem contar nos momentos de instabilidade emocional, desde familiares e amigos a terapeutas, assim como o Louco é acompanhado da figura do cão, que igualmente salta no desconhecido como um fiel companheiro. E, à medida que avança, chega-se a um ponto de aceitação e transformação, comparado ao processo de aceitar o trauma passado, integrá-lo à própria história e transformar a dor em força e sabedoria, essencial ao desenvolvimento pessoal e espiritual.

É importante notar que cada jornada de cura é única e nem sempre segue um caminho linear como o do Louco nas cartas do tarô. Mas, da mesma forma que superar traumas pode favorecer um renascimento emocional com novas perspectivas, relacionamentos mais saudáveis, maior apreciação pela vida, plenitude, resiliência, saúde e consciência, para o Louco, o final da jornada simboliza uma nova fase repleta de oportunidades.

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